Seguem-se alguns comentários sobre alguns pequenos livros de consulta sobre aspectos particulares da China, com informações bastante interessantes.
1. GU Xijia (顾希佳), Traditional Chinese Festivals (中国传统节日趣谈). Guangdong Education Publishing House, Guangzhou: 2007, 1ª ed. 213 pág., Col. Chinese Classic Cultural Stories Series, versão bilíngue (chinês-inglês).
Apresenta uma lista interessante sobre os festivais chineses, alguns, segundo o autor, já algo esquecidos pelos próprios chineses. Em termos de estrutura, apresenta-se bastante completo, começando com os festivais nacionais por data (segundo o calendário lunar) e no os festivais locais. Além das gravuras que povoam o livro, os festivais são bem explicados em termos de costumes nacionais e locais, origem e narração das lendas e provável origem histórica.
Como pontos negativos, aponto a relação algo solta entre alguns parágrafos (dificultado ainda mais pelo facto que a versão bilíngue apresenta-se por divisão em parágrafos), e o facto de não apontar as datas aproximadas dos festivais de acordo com o calendário solar. Por exemplo, o "Hungry-Ghost Festival" festeja-se no dia 15 do sétimo mês lunar, o que nos obriga a consultar um calendário com ambos os anos (lunar e solar) para termos ideia da data.
2. JIN Nailu (金乃逯), 中国文化释疑. A Hundred Questions on the Chinese Culture. Beijing Language and Culture University Press: 2005, 2ª ed., 279 pág., versão bilíngue (chinês-inglês).
Livro que tenta cobrir os vários aspectos da cultura chinesa, estruturado com base em perguntas e respostas e por temas. Temas abordados: Idioma e caracteres; Pensadores clássicos; Religião; Drama e música; Pintura, caligrafia e arte; Medicina chinesa; Lendas folclóricas; Costumes; Nomes e sistemas; Livros clássicos; Arquitectura clássica; Formas antigas de cumprimentar; Tecnologia antiga; Miscelânea (moeda, expressões, alimentação).
É um livro interessante para ter uma ideia sobre aspectos específicos da cultura chinesa, e para encontrar outras interpretações para (pre)conceitos bastante batidos e assimilados. Por exemplo, a interpretação do termo 中国, ou Império do Meio indicam dever-se ao local onde a nacionalidade Han habitava, isto é, na bacia do Rio Amarelo e rodeada de outros estados. Era, portanto, o estado que se encontrava entre outros. Uma interpretação ainda mais antiga explica o caracter 中 como representando uma bandeira. Os governates dos estados convocavam reuniões sob um estandarte e por isso 中 ficou como identificador do estado. Assim, conclui o autor, "(...) we can see that it is not correct to think that China has always regarded itself as the "central kingdom" of the world." (pág. 164).
Livro aconselhado para consulta.
3. He Changling (何长领) (Comp.), History of the Great Wall. 长城. China Dabai Kejin Shu Publishing House: 2007, 1ª ed., 204 pág., Col. History of Chinese Civilization, versão bilíngue (chinês-inglês).
Se bem que não seja propriamente um livro de consulta, a colecção em si é uma referência para consulta. Eu tenho neste momento dois volumes (livros 3. e 4.), e apresentam de forma sucinta a evolução e pontos altos sobre um determinado tema.
Neste livro em especial há uma tentativa de proceder à evolução história da muralha em geral e de algumas secções em particular desde a sua origem até à Dinastia Ming. No entanto, aconselharia um mapa com indicação das diversas fases da muralha, para dar um maior auxílio visual, já que a longa lista de nomes e secções (principalmente considerando que os locais mudam de nome ao longo dos tempos) torna a sua leitura algo aborrecida.
4. Wang Kun'e (王坤娥) (Comp.), History of Fiction. 小说. China Dabai Kejin Shu Publishing House: 2008, 1ª ed., 176 pág., Col. History of Chinese Civilization, versão bilíngue (chinês-inglês).
Livro consistente com a descrição do anterior: tenta concentrar-se na evolução história daq ficção pura desde as suas origens até ao fim da Dinastia Qing (ou seja, da China Imperial), com especial atenção para as obras marcantes de cada época e as evoluções de estilo, estrutura, temas, descrições, etc. Um livro bastante interessante por explicar em poucos parágrafos como a ficção era encarada ao longo dos tempos e como de um estilo subvalorizado se foi progressivamente libertando e aumentando a aceitação social, até chegarmos ao ponto de coexistir com literatura que diríamos hoje em dia 'cor-de-rosa' (nota minha).
No entanto, um livro que refere aproximadamente 50 obras de ficção chinesa poderia acrescentar uma simples lista (para já não dizer bibliografia) no fim. Apenas como opinião pessoal, tal lista neste livro seria bem mais útil do que a cronologia dinástica que incluem.
sábado, 9 de maio de 2009
Outlaws of the Marsh (Water Margin)
SHI Nai'an (施耐庵), Outlaws of the Marsh (水浒传). 6 vols. Foreign Language Publishing House, Beijing: 2006, 2ª ed., Col. Library of Chinese and English Classics, 3077 pág. Ed.bilíngue (inglês/chinês)
Não vou contar a história deste livro, é demasiado complexa e longa. Mesmo contando que as 3077 páginas narram em duas línguas, serão 1539 páginas por língua. Outlaws of the Marsh inclui-se nos quatro grandes clássicos da literatura clássica chinesa, escritos durantes as dinastias Ming e Qing (as duas últimas dinastias na China). Este livro em particular conta a história de cento e oito heróis com as suas histórias e características. Não concordo, no entanto, com o comentário no livro History of Fiction (recensão a ser escrita posteriormente), o qual indica que “after reading the book one may find that each of the one hundred and eight heroes is unforgettable” (pág. 149). Pelo contrário, por vezes é difícil recordarmo-nos da história de alguém que desapareceu entre vários capítulos, e num total de cem capítulos tal não é tão raro.
Para resumir a história em poucas palavras, os cento e oito heróis são criminosos da dinastia Song que actuam em nome do Céu (chinês). Criminosos que mataram, roubaram, mas de acordo com a história apenas com razão e contra quem merecia. Por causa de oficiais corruptos, viram-se obrigados a viver à margem da lei e a repelir todos os que os tentavam deter, incluindo tropas imperiais. Posteriormente, um perdão imperial lança-os para a capital onde são posteriormente enviados em campanhas de pacificação nas fronteiras. Aqui distinguem-se pelo seu valor e vitórias, mas por causa de ministros corruptos junto do imperador, não obtêm o fim que mereciam: pelo contrário, ou decidem viver em seclusão, ou são eliminados por esses mesmos ministros.
Durante o livro partilhamos as aventuras destes heróis, as suas frustrações e indignações, mas por outro lado há alguns pontos que deixam algumas reservas. Estes serão enumerados de seguida.
1. Lei. Como foi indicado anteriormente, estamos a falar de criminosos, isto é, de indivíduos que praticaram actos à margem da lei. Em muitos dos casos, estavam dispostos a cumprir a pena, mas por causa de inimigos, tais penas eram commumente exageradas ou inclusivamente os carcereiros/ guardas recebiam subornos para que os eliminassem. No entanto, para outros, roubavam ou dominavam zonas sem se deixarem apanhar. São criminosos em todo o sentido do termo. Por exemplo, logo no início do livro o bando junta-se para roubar um trém com prendas de um oficial do governo para o seu sogro. A razão para tal acto é que esse oficial adquiriu as riquezas explorando o povo, mas o objectivo do roubo era o enriquecimento rápido.
2. Face. Sem desenvolver o tópico, alguns dos heróis eram oficiais do governo que falharam nas suas tarefas, e não tinham face para regressarem. Na verdade, temiam mais as represálias, e por isso enveredavam pela carreira do crime.
3. Traições. Um ponto de ainda mais difícil compreensão é o facto de que o livro está coberto de artimanhas e traições. Quando o bando se estava a formar, procuravam talentos por todo o império. No entanto, como um cidadão cumpridor da lei nunca se juntaria a criminosos, estes últimos criavam truques em que tornavam os primeiros criminosos como eles. Tais artimanhas commumente incluíam assassínios, falsas acusações, por vezes morte de familiares, etc.
4. Vingança. À vingança é dada rédea solta. Por vezes quando pretendiam represálias contra alguém que foi injusto no passado, matariam toda a família e criadagem, além de incendiar a casa.
5. Persuasão. Pode ser defeito de tradução, mas a persuasão revela-se na derrota. Isto é, para os militares que eram enviados contra os cento e oito heróis, insultavam-nos quanto podiam, e davam a imagem que nunca mudariam de opinião. Até perderem batalhas suficientes e serem capturados. Aí, ao ver a sua vida poupada, subitamente notavam que na verdade os criminosos é que actuavam correctamente. Hum... não soa a cobardia?
4. Guanxi. Também sem desenvolver o tópico, e com os devidos ajustamentos temporais e espaciais, parece-me actualmente ainda ver uma herança cultural de uma prática que neste livro se mostra tão aberta e exemplificada.
5. Emoções. Mais uma vez pode ser defeito de tradução, mas o personagem principal da história, Song Jiang, líder do bando, chora que nem uma menina. Chorar por perder companheiros na guerra ainda se compreende, mas quando se separa dos amigos, aí já começa a parecer mais um concurso de Miss Universo que um livro bélico...
Aconselha-se este livro para quem tem tempo para ler, tanto pelas aventuras como pela ideia de que dá da cultura chinesa. No entanto, abriu-me a curiosidade para ler mais sobre a moralidade chinesa e atitudes críticas (não marxistas) perante este livro.
Não vou contar a história deste livro, é demasiado complexa e longa. Mesmo contando que as 3077 páginas narram em duas línguas, serão 1539 páginas por língua. Outlaws of the Marsh inclui-se nos quatro grandes clássicos da literatura clássica chinesa, escritos durantes as dinastias Ming e Qing (as duas últimas dinastias na China). Este livro em particular conta a história de cento e oito heróis com as suas histórias e características. Não concordo, no entanto, com o comentário no livro History of Fiction (recensão a ser escrita posteriormente), o qual indica que “after reading the book one may find that each of the one hundred and eight heroes is unforgettable” (pág. 149). Pelo contrário, por vezes é difícil recordarmo-nos da história de alguém que desapareceu entre vários capítulos, e num total de cem capítulos tal não é tão raro.
Para resumir a história em poucas palavras, os cento e oito heróis são criminosos da dinastia Song que actuam em nome do Céu (chinês). Criminosos que mataram, roubaram, mas de acordo com a história apenas com razão e contra quem merecia. Por causa de oficiais corruptos, viram-se obrigados a viver à margem da lei e a repelir todos os que os tentavam deter, incluindo tropas imperiais. Posteriormente, um perdão imperial lança-os para a capital onde são posteriormente enviados em campanhas de pacificação nas fronteiras. Aqui distinguem-se pelo seu valor e vitórias, mas por causa de ministros corruptos junto do imperador, não obtêm o fim que mereciam: pelo contrário, ou decidem viver em seclusão, ou são eliminados por esses mesmos ministros.
Durante o livro partilhamos as aventuras destes heróis, as suas frustrações e indignações, mas por outro lado há alguns pontos que deixam algumas reservas. Estes serão enumerados de seguida.
1. Lei. Como foi indicado anteriormente, estamos a falar de criminosos, isto é, de indivíduos que praticaram actos à margem da lei. Em muitos dos casos, estavam dispostos a cumprir a pena, mas por causa de inimigos, tais penas eram commumente exageradas ou inclusivamente os carcereiros/ guardas recebiam subornos para que os eliminassem. No entanto, para outros, roubavam ou dominavam zonas sem se deixarem apanhar. São criminosos em todo o sentido do termo. Por exemplo, logo no início do livro o bando junta-se para roubar um trém com prendas de um oficial do governo para o seu sogro. A razão para tal acto é que esse oficial adquiriu as riquezas explorando o povo, mas o objectivo do roubo era o enriquecimento rápido.
2. Face. Sem desenvolver o tópico, alguns dos heróis eram oficiais do governo que falharam nas suas tarefas, e não tinham face para regressarem. Na verdade, temiam mais as represálias, e por isso enveredavam pela carreira do crime.
3. Traições. Um ponto de ainda mais difícil compreensão é o facto de que o livro está coberto de artimanhas e traições. Quando o bando se estava a formar, procuravam talentos por todo o império. No entanto, como um cidadão cumpridor da lei nunca se juntaria a criminosos, estes últimos criavam truques em que tornavam os primeiros criminosos como eles. Tais artimanhas commumente incluíam assassínios, falsas acusações, por vezes morte de familiares, etc.
4. Vingança. À vingança é dada rédea solta. Por vezes quando pretendiam represálias contra alguém que foi injusto no passado, matariam toda a família e criadagem, além de incendiar a casa.
5. Persuasão. Pode ser defeito de tradução, mas a persuasão revela-se na derrota. Isto é, para os militares que eram enviados contra os cento e oito heróis, insultavam-nos quanto podiam, e davam a imagem que nunca mudariam de opinião. Até perderem batalhas suficientes e serem capturados. Aí, ao ver a sua vida poupada, subitamente notavam que na verdade os criminosos é que actuavam correctamente. Hum... não soa a cobardia?
4. Guanxi. Também sem desenvolver o tópico, e com os devidos ajustamentos temporais e espaciais, parece-me actualmente ainda ver uma herança cultural de uma prática que neste livro se mostra tão aberta e exemplificada.
5. Emoções. Mais uma vez pode ser defeito de tradução, mas o personagem principal da história, Song Jiang, líder do bando, chora que nem uma menina. Chorar por perder companheiros na guerra ainda se compreende, mas quando se separa dos amigos, aí já começa a parecer mais um concurso de Miss Universo que um livro bélico...
Aconselha-se este livro para quem tem tempo para ler, tanto pelas aventuras como pela ideia de que dá da cultura chinesa. No entanto, abriu-me a curiosidade para ler mais sobre a moralidade chinesa e atitudes críticas (não marxistas) perante este livro.
quarta-feira, 15 de abril de 2009
O mundo aos olhos da publicidade
A publicidade irrita, enfada, aborrece, intromete-se, enfurece, perturba, incomoda e irrita. Eu sei que escrevi duas vezes 'irrita', mas isso é apenas porque irrita mais do que o restante. Alguém disse que vivemos na era da publicidade, e de facto ela tenta entrar-nos pela vida dentro, ocupar todos os espaços em branco, popular a paisagem, gritar as suas marcas, produtos e especialidades, as razões porque devemos largar tudo e comprar o que mostram...
Quem lê e aprende sobre publicidade, tende a reconhecer ainda mais o cinismo: basicamente, tentam pegar em si e colocá-lo num grupo com base na idade, sexo, posições e orientações, gostos e atitudes, isto é, tirar toda a sua identidade própria para se integrar num grupo comercialmente viável para depois promover o produto de forma a que se sinta único.
Mas a publicidade tembém tem as suas vantagens: quando um anúncio é interessante, pode fazer-nos rir; quando procuramos um produto que não temos muito conhecimento, pode ajudar-nos a identificá-lo; .....hum..... julgo que é só.
Existe ainda uma outra vantagem, quando nos cruzamos com culturas diferentes: a publicidade reflecte a cultura de cada povo. Tal como os vampiros conseguem identificar o melhor sangue (a vantagem de seres imaginários é que podemos inventar o que quisermos sobre eles), também os publicitários fazem espelho da cultura quotidiana. Por exemplo, quem come sopa ao pequeno-almoço pode certamente ver anúncios de sopa durante a manhã. Por vezes erram o alvo: presumem que a globalização está mais avançada do que realmente está, e enviam o anúncio errado para o povo certo. Por vezes, tentam ser originais e são apenas de mau gosto ou irritantes. Nao sei qual a reacção em massa ao anúncio em Portugal de uma marca qualquer de ice tea (tenho de escrever ice tea, se em Portugal peço um chá gelado ficam a olhar para mim como se estivesse a falar alemão e após muitos segundos perguntam reticentes se o que pedimos é um ice tea), mas cada vez que ouço o Mudasti! sinto que me pretendem torturar, e sinto-me feliz por apenas passar alguns dias em Portugal.
Mas voltando ao tópico, a publicidade reflecte a cultura dos povos. Se querem ganhar dinheiro com esses povos, têm de os convencer, e nada melhor do que apelar aos seus valores. Por isso, podem tentar a experiência de quando chegam a um país novo, vejam televisão. Em pouco tempo terão uma ideia da cultura do novo país.
E é assim que voltamos à China, tópico constante deste blog. Dois produtos já me chamaram à atenção: vinho e carros. O vinho, quando publicitado em Portugal, geralmente mostra um grupo de amigos, a disfrutarem da companhia e da bebida, normalmente jovens, etc. Obviamente existem excepções: lembro-me do Martini Man durante a minha adolescência, ou da campanha do vinho do Porto que não era só para o Natal. Mas no fundo pretende tornar o vinho um bem básico, para não dizer uma necessidade (beba com moderação!).
Com os carros, realçam a segurança, design, liberdade e facilidade de condução, conforto, acessórios.
E na China? O vinho é apreciado de modo diferente. Os carros também. São bens de luxo. Mostram o sucesso das pessoas. Quem tem tal produto é uma pessoa de classe, de sucesso, da elite. No vinho mostram o peso da sua história, a cerimónia do evento no qual bebem, o luxo do ambiente. Nos carros, já vi um anúncio em que um condutor sai do carro num palco e é aplaudido por uma multidão. O produto reflecte o utilizador. O utilizador reflecte o produto. Tem tudo de cheirar a sucesso.
De igual modo, quando pretendem mostrar que outro produto se situa ao mesmo nível, utilizam a mesma simbologia. Já vi um anúncio televisivo em que um ocidental apreciava leite num copo de vinho do mesmo modo como quem aprecia o vinho. Num anúncio de rua, publicidade a umas balas de chocolate mostravam um copo - mais uma vez - de vinho com esses doces.
Comentários? Se vende é porque as pessoas reconhecem-se na publicidade que vêem...
Quem lê e aprende sobre publicidade, tende a reconhecer ainda mais o cinismo: basicamente, tentam pegar em si e colocá-lo num grupo com base na idade, sexo, posições e orientações, gostos e atitudes, isto é, tirar toda a sua identidade própria para se integrar num grupo comercialmente viável para depois promover o produto de forma a que se sinta único.
Mas a publicidade tembém tem as suas vantagens: quando um anúncio é interessante, pode fazer-nos rir; quando procuramos um produto que não temos muito conhecimento, pode ajudar-nos a identificá-lo; .....hum..... julgo que é só.
Existe ainda uma outra vantagem, quando nos cruzamos com culturas diferentes: a publicidade reflecte a cultura de cada povo. Tal como os vampiros conseguem identificar o melhor sangue (a vantagem de seres imaginários é que podemos inventar o que quisermos sobre eles), também os publicitários fazem espelho da cultura quotidiana. Por exemplo, quem come sopa ao pequeno-almoço pode certamente ver anúncios de sopa durante a manhã. Por vezes erram o alvo: presumem que a globalização está mais avançada do que realmente está, e enviam o anúncio errado para o povo certo. Por vezes, tentam ser originais e são apenas de mau gosto ou irritantes. Nao sei qual a reacção em massa ao anúncio em Portugal de uma marca qualquer de ice tea (tenho de escrever ice tea, se em Portugal peço um chá gelado ficam a olhar para mim como se estivesse a falar alemão e após muitos segundos perguntam reticentes se o que pedimos é um ice tea), mas cada vez que ouço o Mudasti! sinto que me pretendem torturar, e sinto-me feliz por apenas passar alguns dias em Portugal.
Mas voltando ao tópico, a publicidade reflecte a cultura dos povos. Se querem ganhar dinheiro com esses povos, têm de os convencer, e nada melhor do que apelar aos seus valores. Por isso, podem tentar a experiência de quando chegam a um país novo, vejam televisão. Em pouco tempo terão uma ideia da cultura do novo país.
E é assim que voltamos à China, tópico constante deste blog. Dois produtos já me chamaram à atenção: vinho e carros. O vinho, quando publicitado em Portugal, geralmente mostra um grupo de amigos, a disfrutarem da companhia e da bebida, normalmente jovens, etc. Obviamente existem excepções: lembro-me do Martini Man durante a minha adolescência, ou da campanha do vinho do Porto que não era só para o Natal. Mas no fundo pretende tornar o vinho um bem básico, para não dizer uma necessidade (beba com moderação!).
Com os carros, realçam a segurança, design, liberdade e facilidade de condução, conforto, acessórios.
E na China? O vinho é apreciado de modo diferente. Os carros também. São bens de luxo. Mostram o sucesso das pessoas. Quem tem tal produto é uma pessoa de classe, de sucesso, da elite. No vinho mostram o peso da sua história, a cerimónia do evento no qual bebem, o luxo do ambiente. Nos carros, já vi um anúncio em que um condutor sai do carro num palco e é aplaudido por uma multidão. O produto reflecte o utilizador. O utilizador reflecte o produto. Tem tudo de cheirar a sucesso.
De igual modo, quando pretendem mostrar que outro produto se situa ao mesmo nível, utilizam a mesma simbologia. Já vi um anúncio televisivo em que um ocidental apreciava leite num copo de vinho do mesmo modo como quem aprecia o vinho. Num anúncio de rua, publicidade a umas balas de chocolate mostravam um copo - mais uma vez - de vinho com esses doces.
Comentários? Se vende é porque as pessoas reconhecem-se na publicidade que vêem...
sábado, 28 de março de 2009
O Homem e a Natureza
Nos já algo longínquos tempos do Mestrado, lembro-me em particular de um estudo que fiz. Já não me lembro muito bem da pergunta, lembro-me ainda menos da resposta que dei, tenho-a algures arquivada em Portugal, mas diversos pontos fazem-me lembrar este ensaio em especial.
Um primeiro foi o facto de o ter escrito em português. O Professor da disciplina de Geografia da China era americano e leccionava em Londres. Aprendeu a ler português com um livro de Saramago e um diccionário. Só isto já merece respeito. E pelo respeito que lhe devia, decidi escrever o meu ensaio em português, ao contrário dos restantes colegas, ponto que ele apreciou.
Além disso, foi um dos melhores exames, e o Professor apreciou bastante a dose de reflexões que incluí. Ainda me lembro ele ter-se lamentado eu não ter indicado a bibliografia - já que me baseei na lista que ele tinha dado.
Por fim, um ponto ficou-me entravado. A questão tinha alguma relação com a luta contra a natureza empreendida pelo Mao, e os subsequentes problemas ambientais que Deng tentou resolver. Um dos pontos que vinquei no ensaio era o de que durante a China imperial o Homem vivia em harmonia com a natureza e após a revolução comunista tornou-se uma luta. O Professor não concordou com este argumento. Leituras posteriores levaram-me a concordar com ele, e por conseguinte a discordar comigo.
De facto, a China é um país com uma dimensão quase idêntica à dos Estados Unidos, mas a sua terra arável corresponde a perto de um terço do seu território. É sabido que durante a China imperial o seu território não era tão vasto: a China nasceu na Bacia do Rio Amarelo e foi-se extendendo entre as bacias deste rio e do Rio Yantze (ou como prefiro, Changjiang). No entanto, terra fértil para uma população crescente sempre foi uma grande preocupação dos governos chineses: basta olhar para a História e verificar que quando havia constantes más colheitas, surgiam rebeliões que acabavam por derrubar a dinastia reinante. Por isso, todo um sistema foi criado à volta das necessidades agrícolas: o calendário, as cerimónias, o mandato do Céu, a própria legitimade do governante, o sistema das granarias, etc. E com base nas necessidades agrícolas, o natureza foi sendo moldada.
Já o Livro da História (尚书) relata as contribuições de Yu (禹贡) para não só identificar o seu império, mas principalmente para moldar o relevo – criar terrenos para a agricultura, orientar rios e canais para evitar cheias... Muitas lendas chinesas colocam lugar de destaque para inovações na agricultura, controlo de cheias, construção de canais, etc.
Na mordernidade, a diferença desta contante luta contra a natureza deve-se ao facto do auxílio adicional oferecido pela maquinaria e tecnologia: promoveu a luta em maior escala e acelerou os problemas negativos causados pela industrialização. Hoje em dia, continuam os grandes projectos de construção como a Barragem das Três Gargantas (Sanxia). Isto é, a China, para poder suster o crescimento da população, tem de manter tal luta contra a natureza. A diferença entre o passado recente e o presente é que de uma luta pura contra a natureza, neste momento a China vê-se com necessidade de promover uma luta sustentável. Caso contrário, o aumento de produtividade irá a longo termo ter mais efeitos negativos.
Um primeiro foi o facto de o ter escrito em português. O Professor da disciplina de Geografia da China era americano e leccionava em Londres. Aprendeu a ler português com um livro de Saramago e um diccionário. Só isto já merece respeito. E pelo respeito que lhe devia, decidi escrever o meu ensaio em português, ao contrário dos restantes colegas, ponto que ele apreciou.
Além disso, foi um dos melhores exames, e o Professor apreciou bastante a dose de reflexões que incluí. Ainda me lembro ele ter-se lamentado eu não ter indicado a bibliografia - já que me baseei na lista que ele tinha dado.
Por fim, um ponto ficou-me entravado. A questão tinha alguma relação com a luta contra a natureza empreendida pelo Mao, e os subsequentes problemas ambientais que Deng tentou resolver. Um dos pontos que vinquei no ensaio era o de que durante a China imperial o Homem vivia em harmonia com a natureza e após a revolução comunista tornou-se uma luta. O Professor não concordou com este argumento. Leituras posteriores levaram-me a concordar com ele, e por conseguinte a discordar comigo.
De facto, a China é um país com uma dimensão quase idêntica à dos Estados Unidos, mas a sua terra arável corresponde a perto de um terço do seu território. É sabido que durante a China imperial o seu território não era tão vasto: a China nasceu na Bacia do Rio Amarelo e foi-se extendendo entre as bacias deste rio e do Rio Yantze (ou como prefiro, Changjiang). No entanto, terra fértil para uma população crescente sempre foi uma grande preocupação dos governos chineses: basta olhar para a História e verificar que quando havia constantes más colheitas, surgiam rebeliões que acabavam por derrubar a dinastia reinante. Por isso, todo um sistema foi criado à volta das necessidades agrícolas: o calendário, as cerimónias, o mandato do Céu, a própria legitimade do governante, o sistema das granarias, etc. E com base nas necessidades agrícolas, o natureza foi sendo moldada.
Já o Livro da História (尚书) relata as contribuições de Yu (禹贡) para não só identificar o seu império, mas principalmente para moldar o relevo – criar terrenos para a agricultura, orientar rios e canais para evitar cheias... Muitas lendas chinesas colocam lugar de destaque para inovações na agricultura, controlo de cheias, construção de canais, etc.
Na mordernidade, a diferença desta contante luta contra a natureza deve-se ao facto do auxílio adicional oferecido pela maquinaria e tecnologia: promoveu a luta em maior escala e acelerou os problemas negativos causados pela industrialização. Hoje em dia, continuam os grandes projectos de construção como a Barragem das Três Gargantas (Sanxia). Isto é, a China, para poder suster o crescimento da população, tem de manter tal luta contra a natureza. A diferença entre o passado recente e o presente é que de uma luta pura contra a natureza, neste momento a China vê-se com necessidade de promover uma luta sustentável. Caso contrário, o aumento de produtividade irá a longo termo ter mais efeitos negativos.
terça-feira, 24 de março de 2009
As revoluções e a mentalidade
Por vezes ouve-se uma frase brilhante, que resume um princípio geral que outros tentam explicar com livros e não conseguem. A frase fica na memória, mas esquecemo-nos de quem a disse, e aqui vai com um “como alguém disse...” É o meu caso agora, para começar a minha entrada de hoje. Então, como alguém me disse nos meus tempos de universidade, citando outro alguém que o disse originalmente, as revoluções podem transformar tudo, mas há duas coisas que ficam: a mentalidade e a burocracia.
Outro alguém, desta vez um historiador francês frequentemente citado por um outro professor universitário, disse que o Homem é menos parecido com os seus pais do que com o seu tempo. E para o provar, mais uma vez sem fonte confirmada, lembro-me de terem encontrado uma placa babilónica ou egípcia em que quem o escreveu se queixava que os bons tempos já tinham passado, e a nova geração já não respeitava os pais... Familiar?
Usamos esta confusa introdução para finalmente entrarmos no ponto específico da China, objectivo prioritário deste blog, para explicar diferenças geracionais. É bastante comum – pelo menos entre estrangeiros – explicar-se o comportamento chinês de acordo com a sua geração. A história do século vinte na China marcou os chineses muito mais que a nossa história recente, mesmo que com o Estado Novo e guerras coloniais. É comum indicar um chinês mais velho como que anterior à revolução comunista, outro cuja educação foi feita durante a Revolução Cultural, ou a geração dos pequenos imperadores, fruto do filho único e do boom económico.
Contudo, ainda não é isto que quero apresentar. Pretendo antes mostrar a excepção à regra, por isso os veios regionais comuns a certas regiões, mais concretamente algumas diferenças entre Shanghai e Pequim. Uma anedota que me contaram, foi a de um extraterrestre a aterrar na China: se aterrasse em Pequim, levavam-no para um instituto para o estudarem; se em Shanghai, faziam dinheiro com ele; se em Guangzhou, comiam-no.
Esta imagem é correcta e confirmada pelos próprios chineses: Pequim é a capital administrativa, Shanghai a capital de negócios e Guangzhou com a melhor cozinha na China (e com os pratos mais estranhos). Parece um fenómeno recente, dados os perto de 30 anos de maoísmo puro. Uma nova China nasceu em 1949, e todos os traços anteriores foram cortados. A revolução mudou a China, fez tábua rasa do passado e instaurou uma nova filosofia. A China tornou-se uniforme, e o desenvolvimento actual foi feito após 1978... Será?
Vejamos as diferenças actuais – notadas por experiência própria – entre Shanghai e Pequim: Shanghai é uma cidade de negócios, atrai bastantes empresas, é a cidade mais cosmopolita da China continental e está a perseguir cada vez mais próximo cidades como Hong Kong e Taipé. Os chineses locais são muito mais práticos, mais orientados para os negócios, mais materialistas, e mais abertos às influências estrangeiras. É verdade que aquando da abertura de Shanghai, o governo injectou bastantes capitais para o seu desenvolvimento. Promoveu o investimento estrangeiro, até um ponto em que este afluía por si mesmo. Mas não provocou o comportamento dos chineses locais; por exemplo, Guangzhou desenvolveu-se antes, está muito mais próxima de Hong Kong e no entanto parece mais local.
É, portanto, uma característica actual de Shanghai... Actual? Num dos livros de Lin Yutang (o meu herói a descrever o povo chinês), escrito mais de 50 anos antes, apresenta uma descrição semelhante sobre Shanghai. Exactamente a mesma orientação para os negócios, o mesmo cosmopolitismo, a mesma abertura para as coisas estrangeiras!
Por outro lado, surge o mesmo contraste em relação a Pequim, de caraterística mais chinesa, mais relaxada, mais institucional, mais virada para o seu umbigo.
Mais curioso ainda, é a relação entre os expatriados nas duas cidades: já ouvi muitos estrangeiros em Pequim queixarem-se que os estrangeiros de Shanghai são muito mais materialistas, mais interessados em saber o que fazemos do que saber quem somos.
Para além disso, numa análise regional ainda mais profunda, se tal se pretender, podem notar-se diferenças de pronunciação (principalmente nos dialectos), atitudes, comidas, cultura, etc. Tais diferenças são detectadas pelos chineses, e têm explicações gerais para estas diferenças. Mas isso fica para outro dia...
Outro alguém, desta vez um historiador francês frequentemente citado por um outro professor universitário, disse que o Homem é menos parecido com os seus pais do que com o seu tempo. E para o provar, mais uma vez sem fonte confirmada, lembro-me de terem encontrado uma placa babilónica ou egípcia em que quem o escreveu se queixava que os bons tempos já tinham passado, e a nova geração já não respeitava os pais... Familiar?
Usamos esta confusa introdução para finalmente entrarmos no ponto específico da China, objectivo prioritário deste blog, para explicar diferenças geracionais. É bastante comum – pelo menos entre estrangeiros – explicar-se o comportamento chinês de acordo com a sua geração. A história do século vinte na China marcou os chineses muito mais que a nossa história recente, mesmo que com o Estado Novo e guerras coloniais. É comum indicar um chinês mais velho como que anterior à revolução comunista, outro cuja educação foi feita durante a Revolução Cultural, ou a geração dos pequenos imperadores, fruto do filho único e do boom económico.
Contudo, ainda não é isto que quero apresentar. Pretendo antes mostrar a excepção à regra, por isso os veios regionais comuns a certas regiões, mais concretamente algumas diferenças entre Shanghai e Pequim. Uma anedota que me contaram, foi a de um extraterrestre a aterrar na China: se aterrasse em Pequim, levavam-no para um instituto para o estudarem; se em Shanghai, faziam dinheiro com ele; se em Guangzhou, comiam-no.
Esta imagem é correcta e confirmada pelos próprios chineses: Pequim é a capital administrativa, Shanghai a capital de negócios e Guangzhou com a melhor cozinha na China (e com os pratos mais estranhos). Parece um fenómeno recente, dados os perto de 30 anos de maoísmo puro. Uma nova China nasceu em 1949, e todos os traços anteriores foram cortados. A revolução mudou a China, fez tábua rasa do passado e instaurou uma nova filosofia. A China tornou-se uniforme, e o desenvolvimento actual foi feito após 1978... Será?
Vejamos as diferenças actuais – notadas por experiência própria – entre Shanghai e Pequim: Shanghai é uma cidade de negócios, atrai bastantes empresas, é a cidade mais cosmopolita da China continental e está a perseguir cada vez mais próximo cidades como Hong Kong e Taipé. Os chineses locais são muito mais práticos, mais orientados para os negócios, mais materialistas, e mais abertos às influências estrangeiras. É verdade que aquando da abertura de Shanghai, o governo injectou bastantes capitais para o seu desenvolvimento. Promoveu o investimento estrangeiro, até um ponto em que este afluía por si mesmo. Mas não provocou o comportamento dos chineses locais; por exemplo, Guangzhou desenvolveu-se antes, está muito mais próxima de Hong Kong e no entanto parece mais local.
É, portanto, uma característica actual de Shanghai... Actual? Num dos livros de Lin Yutang (o meu herói a descrever o povo chinês), escrito mais de 50 anos antes, apresenta uma descrição semelhante sobre Shanghai. Exactamente a mesma orientação para os negócios, o mesmo cosmopolitismo, a mesma abertura para as coisas estrangeiras!
Por outro lado, surge o mesmo contraste em relação a Pequim, de caraterística mais chinesa, mais relaxada, mais institucional, mais virada para o seu umbigo.
Mais curioso ainda, é a relação entre os expatriados nas duas cidades: já ouvi muitos estrangeiros em Pequim queixarem-se que os estrangeiros de Shanghai são muito mais materialistas, mais interessados em saber o que fazemos do que saber quem somos.
Para além disso, numa análise regional ainda mais profunda, se tal se pretender, podem notar-se diferenças de pronunciação (principalmente nos dialectos), atitudes, comidas, cultura, etc. Tais diferenças são detectadas pelos chineses, e têm explicações gerais para estas diferenças. Mas isso fica para outro dia...
segunda-feira, 23 de março de 2009
'China Transformed'
WONG, R. Bin, China Transformed. Historical Change and the Limits of European Experience. Cornell University Press, Ithaca and London: 2000, 1ª ed., 327 pág., versão inglesa
Antes de começar a minha recensão, devo dizer que o livro é brilhante. Antes de o ler, estava convencido que iria encontrar um livro sobre os limites da experiência europeia na modernização da China nos fins do século dezanove e inícios do século vinte, isto é, de como a influência - e, confessemos, intervenção - europeia teve uma repercussão mais limitada do que o que normalmente é difundido no atraso da modernização chinesa.
No entanto, a mudança histórica e os limites da experiência europeia referem-se aos modelos de análise utilizados ainda hoje herdados de um mundo novecentista cujo centro era a Europa. Durante esse tempo, o modelo capitalista europeu era o modelo supremo de progresso e desenvolvimento industrial imposto ao resto do mundo. Como a China não se enquadrava nesse modelo, e não seguiu esse modelo de desnvolvimento, era - e é - apelidada de subdensenvolvida. O modelo dialéctico marxista posteriormente adoptado após 1949, apesar de tentar dar uma nova interpretação e modelo para o desenvolvimento industrial e económico, peca igualmente por se basear num modelo europeu cuja base de desenvolvimento capitalista - mas agora negativo - ainda se mantém.
Por conseguinte, a primeira prioridade de Bin Wong neste livro é o de clarificar os conceitos, primeiro de mercantilismo vs. capiltalismo (sendo este último a acumulação de capital numa vertente por vezes monopolista) e de seguida o desenvolvimento do modelo de estado. A partir daí, começa a apontar as diferenças entre o modelo de desenvolvimento estadual e económico da Europa e da China, passando de um ponto de vista mais geral para de seguida descrever alguns dos aspectos que definem o estado de acordo com o modelo europeu, nomeadamente os impostos e as revoluções.
Com base nesta comparação, concluimos juntamente com o autor que o desenvolvimento estadual na China foi bastante mais precoce do que na Europa: tanto a recolha de impostos, como o sistema organizativo e burocrático, como a recolha de dados populacionais, como mesmo um sistema de segurança social, existiam na China séculos antes da Europa pensar neles. No entanto, as bases com que tais sistemas se desenvolveram diferenciam-se, tanto como as necessidades para desenvolver tais sistemas. Enquanto que na Europa a recolha de impostos (de acordo com o autor, um primeiro sinal de organização e centralização do estado na perspectiva europeia) se devia principalmente para a defesa contra a guerra, no caso da China tal resultava de um sistema de compensações e equilíbrios entre províncias.
Por outro lado, se bem que não demasiado desenvolvida, apresenta a relação entre o confucionismo e os comerciantes. Muitos autores revelam que o confucionismo se opõe aos comerciantes e atira-os para a base da escala social. Neste estudo, o autor apresenta uma perspectiva mais limitada mas mais lógica e aceitável: o confucionismo não só aceita os comerciantes mas também reconhece a sua necessidade. No entanto, condena a procura do lucro fácil e excessivo, e por isso tenta uma limitação dos preços. Esta é uma outra diferença - fundamental - entre a Europa e a China - enquanto que na última o governo tenta aumentar a concorrência e limitar os monopólios para evitar acumulação excessiva de capital nas mãos de poucos (que poderia provocar igualmente instabilidade social), os governos europeus favoreciam monopólios para maximizar recolha de impostos.
A situação alterou-se com as intervenções europeias no século dezanove. Contrariamente a alguns estudos (marxistas) em que se culpa o sistema de compradores para o atraso da China, o autor aponta as indemnizações de guerra que a China era obrigada a pagar para o desiquilíbrio do orçamento público. Com estas indemnizações, a China quebrou o euilíbrio social que tinha ao ser obrigada a exigir mais impostos. Neste sentido, por um lado exercia mais pressão sobre a população em geral, e por outro era obrigada a adoptar políticas de estirpe europeu - isto é, acumulação de capital nas mãos de poucos para maximizar recolha de impostos. Com a pressão sobre a população e a falta de compensações sociais - causada pela ruptura do sistema de granarias públicas para manter os preços baixos em anos de más colheitas - provocou distúrbios sociais e eventualmente a queda da China imperial. Posteriormente, o contraste entre a adopção de medidas económicas europeias num estado onde faltava a união e estrutura burocrática eficiente provocou a queda desse mesmo sistema.
Neste sentido, em conclusão, condena-se uma perspectiva puramente ocidental na análise histórica: caso se consiga abstrair dessa perspectiva puramente europeia e adoptar uma perspectiva chinesa (não marxista), a posição do desenvolvimento da China é muito diferente. Mesmo utilizando a mesma perspectiva e reavaliando os factos, essa posição ainda é diferente. Isto é, herdando as opiniões de europeus do século dezanove, os académicos centraram-se no que faltava à China negligenciando o que tinha. Este livro apresenta, portanto, uma reavaliação histórica extraordinária!
Antes de começar a minha recensão, devo dizer que o livro é brilhante. Antes de o ler, estava convencido que iria encontrar um livro sobre os limites da experiência europeia na modernização da China nos fins do século dezanove e inícios do século vinte, isto é, de como a influência - e, confessemos, intervenção - europeia teve uma repercussão mais limitada do que o que normalmente é difundido no atraso da modernização chinesa.
No entanto, a mudança histórica e os limites da experiência europeia referem-se aos modelos de análise utilizados ainda hoje herdados de um mundo novecentista cujo centro era a Europa. Durante esse tempo, o modelo capitalista europeu era o modelo supremo de progresso e desenvolvimento industrial imposto ao resto do mundo. Como a China não se enquadrava nesse modelo, e não seguiu esse modelo de desnvolvimento, era - e é - apelidada de subdensenvolvida. O modelo dialéctico marxista posteriormente adoptado após 1949, apesar de tentar dar uma nova interpretação e modelo para o desenvolvimento industrial e económico, peca igualmente por se basear num modelo europeu cuja base de desenvolvimento capitalista - mas agora negativo - ainda se mantém.
Por conseguinte, a primeira prioridade de Bin Wong neste livro é o de clarificar os conceitos, primeiro de mercantilismo vs. capiltalismo (sendo este último a acumulação de capital numa vertente por vezes monopolista) e de seguida o desenvolvimento do modelo de estado. A partir daí, começa a apontar as diferenças entre o modelo de desenvolvimento estadual e económico da Europa e da China, passando de um ponto de vista mais geral para de seguida descrever alguns dos aspectos que definem o estado de acordo com o modelo europeu, nomeadamente os impostos e as revoluções.
Com base nesta comparação, concluimos juntamente com o autor que o desenvolvimento estadual na China foi bastante mais precoce do que na Europa: tanto a recolha de impostos, como o sistema organizativo e burocrático, como a recolha de dados populacionais, como mesmo um sistema de segurança social, existiam na China séculos antes da Europa pensar neles. No entanto, as bases com que tais sistemas se desenvolveram diferenciam-se, tanto como as necessidades para desenvolver tais sistemas. Enquanto que na Europa a recolha de impostos (de acordo com o autor, um primeiro sinal de organização e centralização do estado na perspectiva europeia) se devia principalmente para a defesa contra a guerra, no caso da China tal resultava de um sistema de compensações e equilíbrios entre províncias.
Por outro lado, se bem que não demasiado desenvolvida, apresenta a relação entre o confucionismo e os comerciantes. Muitos autores revelam que o confucionismo se opõe aos comerciantes e atira-os para a base da escala social. Neste estudo, o autor apresenta uma perspectiva mais limitada mas mais lógica e aceitável: o confucionismo não só aceita os comerciantes mas também reconhece a sua necessidade. No entanto, condena a procura do lucro fácil e excessivo, e por isso tenta uma limitação dos preços. Esta é uma outra diferença - fundamental - entre a Europa e a China - enquanto que na última o governo tenta aumentar a concorrência e limitar os monopólios para evitar acumulação excessiva de capital nas mãos de poucos (que poderia provocar igualmente instabilidade social), os governos europeus favoreciam monopólios para maximizar recolha de impostos.
A situação alterou-se com as intervenções europeias no século dezanove. Contrariamente a alguns estudos (marxistas) em que se culpa o sistema de compradores para o atraso da China, o autor aponta as indemnizações de guerra que a China era obrigada a pagar para o desiquilíbrio do orçamento público. Com estas indemnizações, a China quebrou o euilíbrio social que tinha ao ser obrigada a exigir mais impostos. Neste sentido, por um lado exercia mais pressão sobre a população em geral, e por outro era obrigada a adoptar políticas de estirpe europeu - isto é, acumulação de capital nas mãos de poucos para maximizar recolha de impostos. Com a pressão sobre a população e a falta de compensações sociais - causada pela ruptura do sistema de granarias públicas para manter os preços baixos em anos de más colheitas - provocou distúrbios sociais e eventualmente a queda da China imperial. Posteriormente, o contraste entre a adopção de medidas económicas europeias num estado onde faltava a união e estrutura burocrática eficiente provocou a queda desse mesmo sistema.
Neste sentido, em conclusão, condena-se uma perspectiva puramente ocidental na análise histórica: caso se consiga abstrair dessa perspectiva puramente europeia e adoptar uma perspectiva chinesa (não marxista), a posição do desenvolvimento da China é muito diferente. Mesmo utilizando a mesma perspectiva e reavaliando os factos, essa posição ainda é diferente. Isto é, herdando as opiniões de europeus do século dezanove, os académicos centraram-se no que faltava à China negligenciando o que tinha. Este livro apresenta, portanto, uma reavaliação histórica extraordinária!
A arte de viver na China
Viver na China ou em qualquer outro lado. Na nossa casa ou fora dela. Do lado em que o sol se põe no mar ou no lado em que nasce de lá. É uma arte, um arte de aprendizagem, de compreensão e de adaptação. Por vezes mais fácil quando lá nascemos, outras vezes mais difícil, quando para lá já vamos crescidos.
Ultimamente – e para justificar a ausência prolongada deste blog – estive a preparar um evento (um seminário técnico) pela primeira vez. Andei exausto, a trabalhar 12 horas por dia e sete dias por semana. Tive de pôr de lado a minha vida social – algo que terá de continuar por mais algum tempo pelo follow up que terei de fazer agora – mas isso não interessa para este blog.
Na altura de preparar o seminário, tive de me apoiar no resto da equipa local – chineses – e existiram muitas interpretações diferentes. Iríamos ter um seminário de estilo europeu na China em que a audiência era chinesa e estrangeira. Originou diversos debates.
Com o seminário, contei com a presença de oradores europeus, um dos quais veio pela primeira vez à China. Tive a oportunidade de conversar prolongadamente com ele. Conversámos bastante sobre a China, e sobre a primeira impressão que ele teve. Gosto de o perguntar, lembra-me a minha primeira sensação, o choque, a descoberta, a incompreensão. Habituei-me a corrigir levemente essas interpretações, a maior parte das vezes são superficiais – pelo pouco tempo em que tantas impressões chovem – e a explicar os chineses com mais profundidade. Mas por vezes – como desta vez – sou eu que aprendo. Algumas pessoas têm o dom de se aperceberem do mundo que as rodeiam com alguma precisão, e de conseguirem resumir os pontos principais.
Lembro-me durante o mestrado de ouvir histórias de académicos sobre a China. Numa delas, dizia-se que quem vem à China por um mês pode escrever um livro; quem vive cá um ano pode escrever um artigo; quem vive dois anos, pode escrever um parágrafo; e quem estuda a China durante muito tempo não consegue escrever nada. Estou a sentir esse processo no sangue: durante o fim de semana alonguei-me sobre o conceito de mianzi, guanxi, a dialéctica China moderna com a sua história imperial, ética corporativa, etc. Mas os pontos essenciais de como descrever um povo disse-mos ele, não eu.
Pontos de vista, impressões, opinões dependem, portanto, não só de quem as faz – com o seu background académico, cultural, etc. – mas também de como as faz. Estar dentro da questão, fora dela, de uma perspectiva parcial ou imparcial, as conclusões podem ser interessantes. Para dar um exemplo, imaginemos a nossa casa: nós todos os dias acordamos nela e deitamo-nos nela; dispomos os móveis e decoração como queremos; adquirimos os objectos que gostamos. Para nós, tal disposição é normal, e quando muito justificamos o facto de colocarmos a televisão nesta posição e não naquela porque assim vê-se melhor quando nos deitamos no sofá. Mas para outras pessoas, que nunca viram a nossa casa e lá vão pela primeira vez, apercebem-se do carácter de quem lá vive. Eu vivo dentro da casa, e julgo bastante refrescante ouvir as opiniões de quem vive fora.
Por outro lado, há outros que conseguem manter ambas as perspectivas, e espero um dia também o conseguir. Até agora, o melhor exemplo que encontrei é o de Lin Yutang, chinês da primeira metade do século vinte, filho de um missionário chinês com educação europeia e que viveu bastantes anos nos Estados Unidos. O modo de descrição do povo chinês feito por ele, na minha opinião, é bastante profundo e consegue passar dos pormenores para a ‘big picture’.
Este texto é apenas um lembrete pessoal, e quem para quem está interessado em aprender sobre a China. A conversa deste fim de semana vai deixou-me bastantes questões interessantes para as próximas semanas...
Ultimamente – e para justificar a ausência prolongada deste blog – estive a preparar um evento (um seminário técnico) pela primeira vez. Andei exausto, a trabalhar 12 horas por dia e sete dias por semana. Tive de pôr de lado a minha vida social – algo que terá de continuar por mais algum tempo pelo follow up que terei de fazer agora – mas isso não interessa para este blog.
Na altura de preparar o seminário, tive de me apoiar no resto da equipa local – chineses – e existiram muitas interpretações diferentes. Iríamos ter um seminário de estilo europeu na China em que a audiência era chinesa e estrangeira. Originou diversos debates.
Com o seminário, contei com a presença de oradores europeus, um dos quais veio pela primeira vez à China. Tive a oportunidade de conversar prolongadamente com ele. Conversámos bastante sobre a China, e sobre a primeira impressão que ele teve. Gosto de o perguntar, lembra-me a minha primeira sensação, o choque, a descoberta, a incompreensão. Habituei-me a corrigir levemente essas interpretações, a maior parte das vezes são superficiais – pelo pouco tempo em que tantas impressões chovem – e a explicar os chineses com mais profundidade. Mas por vezes – como desta vez – sou eu que aprendo. Algumas pessoas têm o dom de se aperceberem do mundo que as rodeiam com alguma precisão, e de conseguirem resumir os pontos principais.
Lembro-me durante o mestrado de ouvir histórias de académicos sobre a China. Numa delas, dizia-se que quem vem à China por um mês pode escrever um livro; quem vive cá um ano pode escrever um artigo; quem vive dois anos, pode escrever um parágrafo; e quem estuda a China durante muito tempo não consegue escrever nada. Estou a sentir esse processo no sangue: durante o fim de semana alonguei-me sobre o conceito de mianzi, guanxi, a dialéctica China moderna com a sua história imperial, ética corporativa, etc. Mas os pontos essenciais de como descrever um povo disse-mos ele, não eu.
Pontos de vista, impressões, opinões dependem, portanto, não só de quem as faz – com o seu background académico, cultural, etc. – mas também de como as faz. Estar dentro da questão, fora dela, de uma perspectiva parcial ou imparcial, as conclusões podem ser interessantes. Para dar um exemplo, imaginemos a nossa casa: nós todos os dias acordamos nela e deitamo-nos nela; dispomos os móveis e decoração como queremos; adquirimos os objectos que gostamos. Para nós, tal disposição é normal, e quando muito justificamos o facto de colocarmos a televisão nesta posição e não naquela porque assim vê-se melhor quando nos deitamos no sofá. Mas para outras pessoas, que nunca viram a nossa casa e lá vão pela primeira vez, apercebem-se do carácter de quem lá vive. Eu vivo dentro da casa, e julgo bastante refrescante ouvir as opiniões de quem vive fora.
Por outro lado, há outros que conseguem manter ambas as perspectivas, e espero um dia também o conseguir. Até agora, o melhor exemplo que encontrei é o de Lin Yutang, chinês da primeira metade do século vinte, filho de um missionário chinês com educação europeia e que viveu bastantes anos nos Estados Unidos. O modo de descrição do povo chinês feito por ele, na minha opinião, é bastante profundo e consegue passar dos pormenores para a ‘big picture’.
Este texto é apenas um lembrete pessoal, e quem para quem está interessado em aprender sobre a China. A conversa deste fim de semana vai deixou-me bastantes questões interessantes para as próximas semanas...
quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009
‘Economia e Gestão Chinesas’
ANTÓNIO, Nelson Santos, Economia e Gestão Chinesas. Aspectos Fundamentais. Edições Sílabo, Lisboa: 2008, 1ª edição, 167 pág.
Com este livro, o autor na Introdução começa a integrar o desenvolvimento chinês não como algo de extraordinário e sui generis, mas simplesmente como uma fase normal dos desenvolvimentos do sistema mundial, à semelhança do desenvolvimento ibérico, holandês, inglês e norte-americano que o precedeu. Por fim, como colorário do que irá explorar, apresenta a verdadeira face da China: uma China cujo desenvolvimento provável será feito a duas velocidades, um facto amplamente esquecido por ambos chineses e ocidentais.
Nos capítulos seguintes, o autor pincela sobre as diversas vertentes dos negócios chineses, salvando-nos de estatísticas intermináveis que alguns utilizam para nos curar de insónias, e apresentando o texto de um modo leve, por vezes recorrendo a uma visão macro e outras a um case study ou a uma pequena história para ilustrar. Reconheço que este é um projecto que não é fácil, já que estudar os negócios na China significa enveredar pelas práticas culturais não só dos chineses do continente, mas também dos chineses na diáspora, e respectivas interacções após a abertura em 1978. Especialmente para um pequeno livro como este. Um ponto importante a reter é a ênfase na componente local do empreendorismo, e nos obstáculos ao mesmo.
Um aspecto curioso é o facto de tomar o ponto de vista chinês ao explicar práticas empresariais e possíveis estratégias. Por exemplo, considerei bastante curioso o quadro nas páginas 90 e 91 sobre as possíveis estratégias para internacionalização das empresas chinesas. Este quadro é mais do interesse dos chineses do que dos europeus (e até poderá ser prejudicial para estes últimos, se não souberem mais nada sobre os negócios na China). Ainda mais interessante é o contraste feito pelos chineses sobre as práticas europeias e americanas, e a sua flexibilidade em tentarem tirar proveito das duas.
Do lado negativo, começo por um ponto que parece comum à maior parte dos livros sobre a China em português (europeu). Em primeiro lugar, os erros de grafia em relação às palavras chinesas. Posso deixar passar a grafia correcta de jia-ren e logo de seguida na mesma página jian-ren (pág. 58), ou Fundan (pág. 79) em vez do nome correcto da mais prestigiada universidade de Shanghai Fudan (imaginemos que alguém escreve Universidade de Coimbira). Mas não aceito que ao longo do capítulo 2, Tiananmen (ou, ainda mais correctamente, Tian’anmen) esteja sempre escrito como Tianmen (em chinês, isso seria pior que confundir Braga e Praga). Além disso, ao longo do texto há uma mistura das grafias do sistema Wade-Gilles e de Pinyin sem qualquer lógica e explicação. Por exemplo, benevolência (ren) surge como jen, enquanto que familiar (jia-ren) surge como ren.
Passando às ideias propriamente ditas, no cômputo geral o livro é bastante positivo, pelo que apenas deixo duas notas. Uma delas refere-se ao confucionismo nos negócios. A outra diz respeito à harmonia (he) nos negócios.
Deste livro, fiquei com uma ideia geral de que o confucionismo resulta, já que é adoptado pelos chineses na diáspora e agora imitado no continente. O confucionismo já foi apresentado como factor determinante na proliferação dos negócios dos chineses e como obstáculo para essa mesma proliferação. Até agora ainda não li qualquer estudo conclusivo. No caso do continente, em vez de salientar o regresso ao confucionismo (e a exploração do ‘guanxi’, que é um conceito diferente), desenvolveria mais a China com diversos modelos. O governo escolhe diversos modelos de desenvolvimento (esta parte é explicada), mas as empresas também. Há as que apostam numa gestão mais chinesa ou patriacal (ou confucionista como o autor prefere chamar), outras uma gestão mais ocidental, outras apenas pretendem obtenção de lucro rápido, e nem sequer adoptam métodos de gestão (já trabalhei com uma empresa chinesa de exportação que nem tinha registado os preços de venda que praticava). Apenas os mais adaptados sobreviverão, mas neste momento é difícil descortinar quais são. Além disso, muitas das empresas mantém relações estreitas com entidades governamentais, em que o conceito de guanxi (e não de confucionismo) é mais determinante.
Além disso, não é salientado que o confucionismo foi rigorosamente seguido durante séculos, e na altura da Dynastia Qing, qualquer pessoa de educação versava sobre os clássicos confucionistas. Apesar disso, se bem que a influência confucionista seja maioritária, não é total, pois poderá igualmente haver influências taoistas e até budistas. Na verdade, nalguns parágrafos do livro fiquei com a sensação de estar mais a desenvolver o taoismo que o confucionismo, mas como não sou perito nesta área e ainda não efectuei qualquer estudo (mas fica lançado o tópico) não me posso pronunciar profundamente. Em suma, posso apenas dizer que como a civilização judaico-cristã ocidental segue a moral cristã ainda que não seja religiosa, o mesmo se passa com os chineses da diáspora: tornou-se parte da cultura. No continente, neste momento de facto há uma tendência de regresso à cultura ancestral, um movimento por vezes incentivado pelo próprio governo.
Ainda no mesmo tópico, o autor explica que os chineses da diáspora trabalham em redes familiares e os chineses do continente os tentam imitar. Isso cria um conceito de nepotismo dentro das empresas, e parece-se esquecer do mesmo nepotismo fora das empresas. Em relação ao continente, apenas na conclusão explica claramente que, devido ao facto de que as famílias no continente foram algo desmembradas devido à história recente (nota minha), o conceito de família tem de ser alargado:
“Contudo o conceito de família na gestão, sobretudo das empresas públicas, deve ser alargado. Os gestores são muitas das vezes escolhidos dentro da família política e não pelo seu mérito. O hábito de trabalhar em rede obriga a uma redefinição do conceito de família, a razão de pertença a uma família deixa de ser exclusivamente o sangue e passa a ser a existência de interesses comuns.”
No desenvolvimento do conceito de harmonia (he), concordo com o autor. A China é um país onde a sociedade tenta a harmonia em vez do confronto. O conceito de face é fundamental (e daria um livro só por si). No entanto, na gestão de negócios, em vez do conceito de harmonia, apostaria num conceito de taiji. Isto é, o modo de lidar com os negócios é como praticar Taiji: qualquer movimento é lento e fluído, sem gestos abruptos, cuja conquista de espaço se obtém não pelo confronto directo (tipo gongfu) mas pelo afastamento lento do adversário. A qualquer momento se pode recuar e avançar, sem perder a face nem perder a face do outro. Por isso, a harmonia apenas é superficial: no íntimo, e uma relação de forças constante.
Com este livro, o autor na Introdução começa a integrar o desenvolvimento chinês não como algo de extraordinário e sui generis, mas simplesmente como uma fase normal dos desenvolvimentos do sistema mundial, à semelhança do desenvolvimento ibérico, holandês, inglês e norte-americano que o precedeu. Por fim, como colorário do que irá explorar, apresenta a verdadeira face da China: uma China cujo desenvolvimento provável será feito a duas velocidades, um facto amplamente esquecido por ambos chineses e ocidentais.
Nos capítulos seguintes, o autor pincela sobre as diversas vertentes dos negócios chineses, salvando-nos de estatísticas intermináveis que alguns utilizam para nos curar de insónias, e apresentando o texto de um modo leve, por vezes recorrendo a uma visão macro e outras a um case study ou a uma pequena história para ilustrar. Reconheço que este é um projecto que não é fácil, já que estudar os negócios na China significa enveredar pelas práticas culturais não só dos chineses do continente, mas também dos chineses na diáspora, e respectivas interacções após a abertura em 1978. Especialmente para um pequeno livro como este. Um ponto importante a reter é a ênfase na componente local do empreendorismo, e nos obstáculos ao mesmo.
Um aspecto curioso é o facto de tomar o ponto de vista chinês ao explicar práticas empresariais e possíveis estratégias. Por exemplo, considerei bastante curioso o quadro nas páginas 90 e 91 sobre as possíveis estratégias para internacionalização das empresas chinesas. Este quadro é mais do interesse dos chineses do que dos europeus (e até poderá ser prejudicial para estes últimos, se não souberem mais nada sobre os negócios na China). Ainda mais interessante é o contraste feito pelos chineses sobre as práticas europeias e americanas, e a sua flexibilidade em tentarem tirar proveito das duas.
Do lado negativo, começo por um ponto que parece comum à maior parte dos livros sobre a China em português (europeu). Em primeiro lugar, os erros de grafia em relação às palavras chinesas. Posso deixar passar a grafia correcta de jia-ren e logo de seguida na mesma página jian-ren (pág. 58), ou Fundan (pág. 79) em vez do nome correcto da mais prestigiada universidade de Shanghai Fudan (imaginemos que alguém escreve Universidade de Coimbira). Mas não aceito que ao longo do capítulo 2, Tiananmen (ou, ainda mais correctamente, Tian’anmen) esteja sempre escrito como Tianmen (em chinês, isso seria pior que confundir Braga e Praga). Além disso, ao longo do texto há uma mistura das grafias do sistema Wade-Gilles e de Pinyin sem qualquer lógica e explicação. Por exemplo, benevolência (ren) surge como jen, enquanto que familiar (jia-ren) surge como ren.
Passando às ideias propriamente ditas, no cômputo geral o livro é bastante positivo, pelo que apenas deixo duas notas. Uma delas refere-se ao confucionismo nos negócios. A outra diz respeito à harmonia (he) nos negócios.
Deste livro, fiquei com uma ideia geral de que o confucionismo resulta, já que é adoptado pelos chineses na diáspora e agora imitado no continente. O confucionismo já foi apresentado como factor determinante na proliferação dos negócios dos chineses e como obstáculo para essa mesma proliferação. Até agora ainda não li qualquer estudo conclusivo. No caso do continente, em vez de salientar o regresso ao confucionismo (e a exploração do ‘guanxi’, que é um conceito diferente), desenvolveria mais a China com diversos modelos. O governo escolhe diversos modelos de desenvolvimento (esta parte é explicada), mas as empresas também. Há as que apostam numa gestão mais chinesa ou patriacal (ou confucionista como o autor prefere chamar), outras uma gestão mais ocidental, outras apenas pretendem obtenção de lucro rápido, e nem sequer adoptam métodos de gestão (já trabalhei com uma empresa chinesa de exportação que nem tinha registado os preços de venda que praticava). Apenas os mais adaptados sobreviverão, mas neste momento é difícil descortinar quais são. Além disso, muitas das empresas mantém relações estreitas com entidades governamentais, em que o conceito de guanxi (e não de confucionismo) é mais determinante.
Além disso, não é salientado que o confucionismo foi rigorosamente seguido durante séculos, e na altura da Dynastia Qing, qualquer pessoa de educação versava sobre os clássicos confucionistas. Apesar disso, se bem que a influência confucionista seja maioritária, não é total, pois poderá igualmente haver influências taoistas e até budistas. Na verdade, nalguns parágrafos do livro fiquei com a sensação de estar mais a desenvolver o taoismo que o confucionismo, mas como não sou perito nesta área e ainda não efectuei qualquer estudo (mas fica lançado o tópico) não me posso pronunciar profundamente. Em suma, posso apenas dizer que como a civilização judaico-cristã ocidental segue a moral cristã ainda que não seja religiosa, o mesmo se passa com os chineses da diáspora: tornou-se parte da cultura. No continente, neste momento de facto há uma tendência de regresso à cultura ancestral, um movimento por vezes incentivado pelo próprio governo.
Ainda no mesmo tópico, o autor explica que os chineses da diáspora trabalham em redes familiares e os chineses do continente os tentam imitar. Isso cria um conceito de nepotismo dentro das empresas, e parece-se esquecer do mesmo nepotismo fora das empresas. Em relação ao continente, apenas na conclusão explica claramente que, devido ao facto de que as famílias no continente foram algo desmembradas devido à história recente (nota minha), o conceito de família tem de ser alargado:
“Contudo o conceito de família na gestão, sobretudo das empresas públicas, deve ser alargado. Os gestores são muitas das vezes escolhidos dentro da família política e não pelo seu mérito. O hábito de trabalhar em rede obriga a uma redefinição do conceito de família, a razão de pertença a uma família deixa de ser exclusivamente o sangue e passa a ser a existência de interesses comuns.”
No desenvolvimento do conceito de harmonia (he), concordo com o autor. A China é um país onde a sociedade tenta a harmonia em vez do confronto. O conceito de face é fundamental (e daria um livro só por si). No entanto, na gestão de negócios, em vez do conceito de harmonia, apostaria num conceito de taiji. Isto é, o modo de lidar com os negócios é como praticar Taiji: qualquer movimento é lento e fluído, sem gestos abruptos, cuja conquista de espaço se obtém não pelo confronto directo (tipo gongfu) mas pelo afastamento lento do adversário. A qualquer momento se pode recuar e avançar, sem perder a face nem perder a face do outro. Por isso, a harmonia apenas é superficial: no íntimo, e uma relação de forças constante.
quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009
A crise na China
Durante o Ano Novo Chinês proliferaram os comentários e fotos sobre as comemorações, significados e festejos. Eu devo ser o único que o não fiz, e poderia apontar a preguiça pura para o não fazer, mas tenho uma outra boa desculpa, o facto de que já fiz a revisão do ano anterior e, para quem celebra a oitava passagem de ano chinês na China, já não é novidade. Sabe-se que se tem fogo de artifício e petardos, come-se peixe pelo menos no sul, raviolis chineses pelo menos no norte, etc.
Decidi, por isso, abordar a temática do ano novo chinês englobando-a na resposta a uma pergunta que se está a tornar comum para os que não vivem na China: ‘a crise, sente-se na China?’
A resposta é claramente afirmativa. Talvez não tão feroz e comummente falada (aqui estão novamente os dois ‘m’) como em Portugal, talvez não tão presente no dia a dia do acordar ao dormir, mas sente-se. Para ser mais objectivo e claro, e atirar alguns números para mostrar que leio jornais, o diário chinês de língua inglesa China Daily de ontem trouxe uma notícia de primeira página em que se calcula que 20 milhões de trabalhadores migrantes perderam os seus empregos, notícia aliás que hoje já se ouvia em Portugal. Este número representa algo como 15,3% de toda a população migrante (que são 130 milhões), contribuindo para a taxa de desemprego total nos 4,2%. Aparte do risco social que estes números podem provocar, hoje vamos limitarmo-nos a dar algumas indicações sobre como a crise se nota.
Durante o ano novo chinês, no passado dia 25 para 26 de Janeiro, pelo menos em Shanghai, sentiu-se a crise. Fui com um grupo de amigos passar o ano novo junto ao rio, numa das zonas mais características de Shanghai, o Bund ou Waitan, e não ouve nenhum fogo de artifício oficial, para espanto de todos, incluindo dos chineses. A melhor explicação dada foi a de que enquanto que no ano passado as empresas pagavam ordenados a triplicar ou quadruplicar para que as pessoas de fora de Shanghai trabalhassem durante os festejos (especialmente na categoria de comidas e bebidas), este ano até pagavam os bilhetes de combóio de regresso às suas terras natais.
Antes do ano novo, notava-se a pouca afluência nos supermercados. Quando no ano passado tinha longas filas para as caixas com pessoas carregadas de brinquedos, roupas, vinhos e aguardente de arroz, este ano as caixas estavam quase desertas. As compras eram muito menores.
Por isso, num período em que a China já está integrada na OMC, e por conseguinte no sistema económico mundial, não é de espantar que a crise a tenha atingido. E se querem comparar com a situação de 1998, então devem tentar perceber o ritmo com que a China muda.
Decidi, por isso, abordar a temática do ano novo chinês englobando-a na resposta a uma pergunta que se está a tornar comum para os que não vivem na China: ‘a crise, sente-se na China?’
A resposta é claramente afirmativa. Talvez não tão feroz e comummente falada (aqui estão novamente os dois ‘m’) como em Portugal, talvez não tão presente no dia a dia do acordar ao dormir, mas sente-se. Para ser mais objectivo e claro, e atirar alguns números para mostrar que leio jornais, o diário chinês de língua inglesa China Daily de ontem trouxe uma notícia de primeira página em que se calcula que 20 milhões de trabalhadores migrantes perderam os seus empregos, notícia aliás que hoje já se ouvia em Portugal. Este número representa algo como 15,3% de toda a população migrante (que são 130 milhões), contribuindo para a taxa de desemprego total nos 4,2%. Aparte do risco social que estes números podem provocar, hoje vamos limitarmo-nos a dar algumas indicações sobre como a crise se nota.
Durante o ano novo chinês, no passado dia 25 para 26 de Janeiro, pelo menos em Shanghai, sentiu-se a crise. Fui com um grupo de amigos passar o ano novo junto ao rio, numa das zonas mais características de Shanghai, o Bund ou Waitan, e não ouve nenhum fogo de artifício oficial, para espanto de todos, incluindo dos chineses. A melhor explicação dada foi a de que enquanto que no ano passado as empresas pagavam ordenados a triplicar ou quadruplicar para que as pessoas de fora de Shanghai trabalhassem durante os festejos (especialmente na categoria de comidas e bebidas), este ano até pagavam os bilhetes de combóio de regresso às suas terras natais.
Antes do ano novo, notava-se a pouca afluência nos supermercados. Quando no ano passado tinha longas filas para as caixas com pessoas carregadas de brinquedos, roupas, vinhos e aguardente de arroz, este ano as caixas estavam quase desertas. As compras eram muito menores.
Por isso, num período em que a China já está integrada na OMC, e por conseguinte no sistema económico mundial, não é de espantar que a crise a tenha atingido. E se querem comparar com a situação de 1998, então devem tentar perceber o ritmo com que a China muda.
quarta-feira, 21 de janeiro de 2009
Negócio da China
Os negócios na China fazem-se à mesa. Nada de extraordinário nisto, já que sempre se precisa de uma mesa para o papel e a caneta, por vezes para outros documentos e amostras, e quando muito para uma chávena de café ou chá. Mas aqui na China a mesa é outra, é a do restaurante, ou a da cantina da fábrica, e em vez do papel e caneta incluem-se os mais apetitosos pratos chineses. Mas o gelo só se quebra quando se adiciona uma pinga – ou vários litros – de álcool.
Se bem que no mundo que vivemos hoje não se possa separar regiões como dantes, esta é assim e aquela é assado, ainda podemos fazer alguma distinção aqui na China: no Sul (pelo menos faixa costeira) brinda-se com cerveja, no norte passa-se para ‘baiju’, ou álcool branco, uma espécie de aguardente típica que pode ser feita com diversos tipos de ingredientes e cuja graduação varia entre os 40 ao 70 graus. Até agora poucas vezes tive de brindar com esta bebida espirituosa (e acredito que após uns copos me sentiria mais espírito que físico), mas comummente (há mais alguma palavra portuguesa com dois ‘m’ seguidos?) o faço com vinho – justificado pelo facto de estar neste sector.
Por outro lado – para dificultar ainda mais a tarefa – o brinde passa por secar o copo. Por vezes nota-se que os próprios chineses tentam limitar os brindes, mas após o décimo ou décimo quinto copo já não se importam, e lá vai mais um ‘ganbei’, ou (a melhor tradução que vi até agora) ‘secar o copo’. Recentemente foi o que me aconteceu, num almoço (e os almoços são sempre os priores, principalmente quando se tem de trabalhar de tarde), brindámos seis vezes com vinho branco, e perdi a conta quando ia no quarto copo de vinho tinto, mas sei que brindei mais vezes com este do que com o primeiro. O copo era pequeno, a quantidade também ela pequena, mas a beber à golada e continuamente (11 pessoas na mesa propuseram pelo menos um brinde cada), resulta numa pesca acelerada aos pratos para tentar reduzir o nível de álcool. Ainda assim, não chegou a ser a experiência mais concentrada (de álcool) que tive até agora.
Porquê esta filosofia? Pelo que tenho notado, os chineses tendem a ter mais confiança em quem partilha uns copos – e uma provável bebedeira – com eles. Na tradição chinesa – e com bastantes exemplos na literatura e poesia – eram comuns os brindes entre amigos, nas separações e reuniões, nas tristezas e felicidades. Deste modo, partilhar um copo significa que ambos os lados estão de boa fé, que querem fazer amizade (e na China, quem quer fazer negócio tem de apostar na relação pessoal). Recusar pode ser interpretado como querendo manter as distâncias.
Por outro lado, parece ser algo de puxar até aos limites. Querem testar o nível de álcool que uma pessoa consegue absorver, principalmente se essa pessoa for o convidado especial (não necessariamente o mais importante, mas simplesmente o ‘especial’). Quanto mais uma pessoa recusa beber (principalmente se já bebeu), mais insistirão. Apercebi-me que nestes casos mais vale enfrentar o boi pelos cornos (salvo seja, mas é a única expressão que podemos usar, não soaria bem dizer o chinês pela boca) e propormos nós próprios os brindes. Aí interpretarão como que não temos medo de beber e temos um limite bastante alto para eles. Com alguma sorte, após alguns copinhos o ritmo abranda e até pode parar.
Não se pense, todavia, que tais brindes acontecem sempre. Nos últimos anos a prática do ‘ganbei’ tem mudado e por vezes se tem tornado simbólica. Principalmente por preocupações com a saúde levam muitas pessoas a reduzir as quantidades, a misturar água ou outras bebidas para diluir o álcool, ou simplesmente a limitar o número de brindes. Pode-se, contudo, contar que esta prática, sendo cultural (para além dos negócios, pode encontrar-se em casamentos, aniversários, encontros de amigos, etc.), perdure ainda por bastante tempo.
Por isso, com ou sem brinde, sempre que possível convide a outra parte para almoçar ou jantar. É uma boa oportunidade para os conhecer, quebrar o gelo e, quem sabe, suavizar o negócio ou fazer amigos.
Se bem que no mundo que vivemos hoje não se possa separar regiões como dantes, esta é assim e aquela é assado, ainda podemos fazer alguma distinção aqui na China: no Sul (pelo menos faixa costeira) brinda-se com cerveja, no norte passa-se para ‘baiju’, ou álcool branco, uma espécie de aguardente típica que pode ser feita com diversos tipos de ingredientes e cuja graduação varia entre os 40 ao 70 graus. Até agora poucas vezes tive de brindar com esta bebida espirituosa (e acredito que após uns copos me sentiria mais espírito que físico), mas comummente (há mais alguma palavra portuguesa com dois ‘m’ seguidos?) o faço com vinho – justificado pelo facto de estar neste sector.
Por outro lado – para dificultar ainda mais a tarefa – o brinde passa por secar o copo. Por vezes nota-se que os próprios chineses tentam limitar os brindes, mas após o décimo ou décimo quinto copo já não se importam, e lá vai mais um ‘ganbei’, ou (a melhor tradução que vi até agora) ‘secar o copo’. Recentemente foi o que me aconteceu, num almoço (e os almoços são sempre os priores, principalmente quando se tem de trabalhar de tarde), brindámos seis vezes com vinho branco, e perdi a conta quando ia no quarto copo de vinho tinto, mas sei que brindei mais vezes com este do que com o primeiro. O copo era pequeno, a quantidade também ela pequena, mas a beber à golada e continuamente (11 pessoas na mesa propuseram pelo menos um brinde cada), resulta numa pesca acelerada aos pratos para tentar reduzir o nível de álcool. Ainda assim, não chegou a ser a experiência mais concentrada (de álcool) que tive até agora.
Porquê esta filosofia? Pelo que tenho notado, os chineses tendem a ter mais confiança em quem partilha uns copos – e uma provável bebedeira – com eles. Na tradição chinesa – e com bastantes exemplos na literatura e poesia – eram comuns os brindes entre amigos, nas separações e reuniões, nas tristezas e felicidades. Deste modo, partilhar um copo significa que ambos os lados estão de boa fé, que querem fazer amizade (e na China, quem quer fazer negócio tem de apostar na relação pessoal). Recusar pode ser interpretado como querendo manter as distâncias.
Por outro lado, parece ser algo de puxar até aos limites. Querem testar o nível de álcool que uma pessoa consegue absorver, principalmente se essa pessoa for o convidado especial (não necessariamente o mais importante, mas simplesmente o ‘especial’). Quanto mais uma pessoa recusa beber (principalmente se já bebeu), mais insistirão. Apercebi-me que nestes casos mais vale enfrentar o boi pelos cornos (salvo seja, mas é a única expressão que podemos usar, não soaria bem dizer o chinês pela boca) e propormos nós próprios os brindes. Aí interpretarão como que não temos medo de beber e temos um limite bastante alto para eles. Com alguma sorte, após alguns copinhos o ritmo abranda e até pode parar.
Não se pense, todavia, que tais brindes acontecem sempre. Nos últimos anos a prática do ‘ganbei’ tem mudado e por vezes se tem tornado simbólica. Principalmente por preocupações com a saúde levam muitas pessoas a reduzir as quantidades, a misturar água ou outras bebidas para diluir o álcool, ou simplesmente a limitar o número de brindes. Pode-se, contudo, contar que esta prática, sendo cultural (para além dos negócios, pode encontrar-se em casamentos, aniversários, encontros de amigos, etc.), perdure ainda por bastante tempo.
Por isso, com ou sem brinde, sempre que possível convide a outra parte para almoçar ou jantar. É uma boa oportunidade para os conhecer, quebrar o gelo e, quem sabe, suavizar o negócio ou fazer amigos.
quinta-feira, 15 de janeiro de 2009
O regresso ao blog
Depois de quase um ano de ausência – pouco notada – fui convencido a retomar as poucas ideias e muitas opinões sobre a China. Por isso, dada a época em que estamos – o início de um novo ano – é altura de relembrar o que se passou e fazer previsões para o ano que começou. Na verdade, se seguirmos as tendências gerais, o resumo dos acontecimentos do ano deveria ter sido feita antes do natal e as previsões antes do ano novo. Já passou o timing mais apropriado para isso, e poderia salvar-me com as previsões, mas como não consigo nem sequer prever o que vai ser o meu jantar amanhã, julgo que não estou apto a prever os acontecimentos para 1,3 mil milhões de pessoas. Poderia fazê-lo à mesma, e em doze meses ninguém se lembraria, mas não quero ser o anunciador de más notícias – e este ano prevejo que seja vermelho para a China, já que todos os anos o são, em vários aspectos, a China aprecia e identifica-se com o vermelho (um dia escreverei sobre isso).
Voltando ao tópico, 2008 queria ser o ano – queria a China, não o ano – em que a China fosse lembrada no mundo, e de facto isso aconteceu. A China procurou projectar no mundo uma imagem mais coerente da que tem de si própria, digamos uma actualização da imagem que muitos ocidentais ainda têm da China. Esse evento – se já não se lembram, foram os Jogos Olímpicos – foi inteiramente planeado como um acto de relações públicas internacional para promover a China. Nada de negativo nesta acção, é algo comum a qualquer estado, empresa, instituição ou mesmo personalidade. No entanto, a atenção do mundo sobre a China – que seria limitada a um mês durante o evento – passou a uma atenção que perdurou quase todo o ano devido a incidentes negativos, não planeados e por vezes anulando o efeito positivo dos Jogos Olímpicos – isto é, os incidentes no Tibete e o terramoto em Sichuan.
Que reflexões podemos neste momento fazer sobre estes incidentes?
1. Mostram a cultura mosaico em que vivemos.
Aquando do início dos incidentes no Tibete, começaram imediatamente as notícias, comentários, debates, indignações, apoios, opiniões, acções e reacções, um pouco por todo o mundo. De repente, a China ocupava parte dos noticiários. Por quanto tempo? Aquando do terramoto em Sichuan, o Tibete ainda estava quente, mas já poucos falavam disso. Alguns ainda falaram, outros correlaram, como é mais conhecida a declaração da Sharon Stone – a quem não aconselho uma visita à China nos próximos.....hum.....50 anos devem bastar. Aquando dos Jogos Olímpicos, poucos ainda se lembravam do Tibete, mas a notícia do dia então eram os jogos e os atletas, e por onde ficaram as vítimas do terramoto? A China em poucos meses passou de malvada para coitada para extraordinária.
2. Se bem que com efeitos mais mitigados, a China conseguiu o que pretendia.
A China queria impressionar e conseguiu. Em Portugal diziam-me que foi a melhor cerimónia de abertura que viram até hoje, e nunca imaginaram que a China conseguisse produzir um espectáculo assim. Ao nível dos jornalistas, se bem que com alguns precalços, elogiaram a organização. E os visitantes tiveram a oprtunidade de ver os monumentos chineses. Além disso, um exército de voluntários e alguns conselhos aos habitantes tentaram criar uma experiência positiva a todos os visitantes. Sorte a dela, foi o último evento do ano que marcou a China, pelo que é o que fica mais tempo na memória (anulou efeitos negativos de eventos anteriores e não foi eclipsada por eventos negativos posteriores), por isso julgo que cumpriu o objectivo.
3. O debate foi lançado.
Especialmente o primeiro problema no Tibete orignou um debate aceso sobre quem estaria correcto que se alastrou em espaço e menos em tempo – a não ser para alguns mais casmurros – para a questão dos Jogos Olímpicos. Notei que havia no essencial dois campos opostos simples de discernir nesta questão – os chineses e os ocidentais –, mas notei igualmente que muitos estrangeiros a habitar na China procuraram envolver-se no debate tentando tomar um ponto de vista mais central: basicamente explicando que a China não é a má da fita e tem algumas pretensões fundadas. Na altura abstive-me do debate – pareceu-me um debate de surdos em que qualquer das partes debatia sobre argumentos históricos e emotivos para defender a sua causa (mental note: a História fornece mais argumentos subjectivos do que objectivos para fundamentar pretensões) – e não entrarei nele neste momento. Qualquer argumento lançado teria opositores fundamentalistas (mas não islâmicos neste caso, se bem que também possam partilhar uma opinião). Mas retive com interesse o facto de que para além de todo o debate da cultura mosaico (em que necessitam de simples explicações como bom e mau), há gente que tente ir para além disso, mesmo que por vezes acabem submergidos no debate e subjectivos como os restantes.
***
Nada de conclusões. Fica uma mensagem longa mas menos estruturada, já que o ano começou frio e as minhas qualidades na escrita também estão frias.
Voltando ao tópico, 2008 queria ser o ano – queria a China, não o ano – em que a China fosse lembrada no mundo, e de facto isso aconteceu. A China procurou projectar no mundo uma imagem mais coerente da que tem de si própria, digamos uma actualização da imagem que muitos ocidentais ainda têm da China. Esse evento – se já não se lembram, foram os Jogos Olímpicos – foi inteiramente planeado como um acto de relações públicas internacional para promover a China. Nada de negativo nesta acção, é algo comum a qualquer estado, empresa, instituição ou mesmo personalidade. No entanto, a atenção do mundo sobre a China – que seria limitada a um mês durante o evento – passou a uma atenção que perdurou quase todo o ano devido a incidentes negativos, não planeados e por vezes anulando o efeito positivo dos Jogos Olímpicos – isto é, os incidentes no Tibete e o terramoto em Sichuan.
Que reflexões podemos neste momento fazer sobre estes incidentes?
1. Mostram a cultura mosaico em que vivemos.
Aquando do início dos incidentes no Tibete, começaram imediatamente as notícias, comentários, debates, indignações, apoios, opiniões, acções e reacções, um pouco por todo o mundo. De repente, a China ocupava parte dos noticiários. Por quanto tempo? Aquando do terramoto em Sichuan, o Tibete ainda estava quente, mas já poucos falavam disso. Alguns ainda falaram, outros correlaram, como é mais conhecida a declaração da Sharon Stone – a quem não aconselho uma visita à China nos próximos.....hum.....50 anos devem bastar. Aquando dos Jogos Olímpicos, poucos ainda se lembravam do Tibete, mas a notícia do dia então eram os jogos e os atletas, e por onde ficaram as vítimas do terramoto? A China em poucos meses passou de malvada para coitada para extraordinária.
2. Se bem que com efeitos mais mitigados, a China conseguiu o que pretendia.
A China queria impressionar e conseguiu. Em Portugal diziam-me que foi a melhor cerimónia de abertura que viram até hoje, e nunca imaginaram que a China conseguisse produzir um espectáculo assim. Ao nível dos jornalistas, se bem que com alguns precalços, elogiaram a organização. E os visitantes tiveram a oprtunidade de ver os monumentos chineses. Além disso, um exército de voluntários e alguns conselhos aos habitantes tentaram criar uma experiência positiva a todos os visitantes. Sorte a dela, foi o último evento do ano que marcou a China, pelo que é o que fica mais tempo na memória (anulou efeitos negativos de eventos anteriores e não foi eclipsada por eventos negativos posteriores), por isso julgo que cumpriu o objectivo.
3. O debate foi lançado.
Especialmente o primeiro problema no Tibete orignou um debate aceso sobre quem estaria correcto que se alastrou em espaço e menos em tempo – a não ser para alguns mais casmurros – para a questão dos Jogos Olímpicos. Notei que havia no essencial dois campos opostos simples de discernir nesta questão – os chineses e os ocidentais –, mas notei igualmente que muitos estrangeiros a habitar na China procuraram envolver-se no debate tentando tomar um ponto de vista mais central: basicamente explicando que a China não é a má da fita e tem algumas pretensões fundadas. Na altura abstive-me do debate – pareceu-me um debate de surdos em que qualquer das partes debatia sobre argumentos históricos e emotivos para defender a sua causa (mental note: a História fornece mais argumentos subjectivos do que objectivos para fundamentar pretensões) – e não entrarei nele neste momento. Qualquer argumento lançado teria opositores fundamentalistas (mas não islâmicos neste caso, se bem que também possam partilhar uma opinião). Mas retive com interesse o facto de que para além de todo o debate da cultura mosaico (em que necessitam de simples explicações como bom e mau), há gente que tente ir para além disso, mesmo que por vezes acabem submergidos no debate e subjectivos como os restantes.
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Nada de conclusões. Fica uma mensagem longa mas menos estruturada, já que o ano começou frio e as minhas qualidades na escrita também estão frias.
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