WONG, R. Bin, China Transformed. Historical Change and the Limits of European Experience. Cornell University Press, Ithaca and London: 2000, 1ª ed., 327 pág., versão inglesa
Antes de começar a minha recensão, devo dizer que o livro é brilhante. Antes de o ler, estava convencido que iria encontrar um livro sobre os limites da experiência europeia na modernização da China nos fins do século dezanove e inícios do século vinte, isto é, de como a influência - e, confessemos, intervenção - europeia teve uma repercussão mais limitada do que o que normalmente é difundido no atraso da modernização chinesa.
No entanto, a mudança histórica e os limites da experiência europeia referem-se aos modelos de análise utilizados ainda hoje herdados de um mundo novecentista cujo centro era a Europa. Durante esse tempo, o modelo capitalista europeu era o modelo supremo de progresso e desenvolvimento industrial imposto ao resto do mundo. Como a China não se enquadrava nesse modelo, e não seguiu esse modelo de desnvolvimento, era - e é - apelidada de subdensenvolvida. O modelo dialéctico marxista posteriormente adoptado após 1949, apesar de tentar dar uma nova interpretação e modelo para o desenvolvimento industrial e económico, peca igualmente por se basear num modelo europeu cuja base de desenvolvimento capitalista - mas agora negativo - ainda se mantém.
Por conseguinte, a primeira prioridade de Bin Wong neste livro é o de clarificar os conceitos, primeiro de mercantilismo vs. capiltalismo (sendo este último a acumulação de capital numa vertente por vezes monopolista) e de seguida o desenvolvimento do modelo de estado. A partir daí, começa a apontar as diferenças entre o modelo de desenvolvimento estadual e económico da Europa e da China, passando de um ponto de vista mais geral para de seguida descrever alguns dos aspectos que definem o estado de acordo com o modelo europeu, nomeadamente os impostos e as revoluções.
Com base nesta comparação, concluimos juntamente com o autor que o desenvolvimento estadual na China foi bastante mais precoce do que na Europa: tanto a recolha de impostos, como o sistema organizativo e burocrático, como a recolha de dados populacionais, como mesmo um sistema de segurança social, existiam na China séculos antes da Europa pensar neles. No entanto, as bases com que tais sistemas se desenvolveram diferenciam-se, tanto como as necessidades para desenvolver tais sistemas. Enquanto que na Europa a recolha de impostos (de acordo com o autor, um primeiro sinal de organização e centralização do estado na perspectiva europeia) se devia principalmente para a defesa contra a guerra, no caso da China tal resultava de um sistema de compensações e equilíbrios entre províncias.
Por outro lado, se bem que não demasiado desenvolvida, apresenta a relação entre o confucionismo e os comerciantes. Muitos autores revelam que o confucionismo se opõe aos comerciantes e atira-os para a base da escala social. Neste estudo, o autor apresenta uma perspectiva mais limitada mas mais lógica e aceitável: o confucionismo não só aceita os comerciantes mas também reconhece a sua necessidade. No entanto, condena a procura do lucro fácil e excessivo, e por isso tenta uma limitação dos preços. Esta é uma outra diferença - fundamental - entre a Europa e a China - enquanto que na última o governo tenta aumentar a concorrência e limitar os monopólios para evitar acumulação excessiva de capital nas mãos de poucos (que poderia provocar igualmente instabilidade social), os governos europeus favoreciam monopólios para maximizar recolha de impostos.
A situação alterou-se com as intervenções europeias no século dezanove. Contrariamente a alguns estudos (marxistas) em que se culpa o sistema de compradores para o atraso da China, o autor aponta as indemnizações de guerra que a China era obrigada a pagar para o desiquilíbrio do orçamento público. Com estas indemnizações, a China quebrou o euilíbrio social que tinha ao ser obrigada a exigir mais impostos. Neste sentido, por um lado exercia mais pressão sobre a população em geral, e por outro era obrigada a adoptar políticas de estirpe europeu - isto é, acumulação de capital nas mãos de poucos para maximizar recolha de impostos. Com a pressão sobre a população e a falta de compensações sociais - causada pela ruptura do sistema de granarias públicas para manter os preços baixos em anos de más colheitas - provocou distúrbios sociais e eventualmente a queda da China imperial. Posteriormente, o contraste entre a adopção de medidas económicas europeias num estado onde faltava a união e estrutura burocrática eficiente provocou a queda desse mesmo sistema.
Neste sentido, em conclusão, condena-se uma perspectiva puramente ocidental na análise histórica: caso se consiga abstrair dessa perspectiva puramente europeia e adoptar uma perspectiva chinesa (não marxista), a posição do desenvolvimento da China é muito diferente. Mesmo utilizando a mesma perspectiva e reavaliando os factos, essa posição ainda é diferente. Isto é, herdando as opiniões de europeus do século dezanove, os académicos centraram-se no que faltava à China negligenciando o que tinha. Este livro apresenta, portanto, uma reavaliação histórica extraordinária!
segunda-feira, 23 de março de 2009
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