quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Negócio da China

Os negócios na China fazem-se à mesa. Nada de extraordinário nisto, já que sempre se precisa de uma mesa para o papel e a caneta, por vezes para outros documentos e amostras, e quando muito para uma chávena de café ou chá. Mas aqui na China a mesa é outra, é a do restaurante, ou a da cantina da fábrica, e em vez do papel e caneta incluem-se os mais apetitosos pratos chineses. Mas o gelo só se quebra quando se adiciona uma pinga – ou vários litros – de álcool.

Se bem que no mundo que vivemos hoje não se possa separar regiões como dantes, esta é assim e aquela é assado, ainda podemos fazer alguma distinção aqui na China: no Sul (pelo menos faixa costeira) brinda-se com cerveja, no norte passa-se para ‘baiju’, ou álcool branco, uma espécie de aguardente típica que pode ser feita com diversos tipos de ingredientes e cuja graduação varia entre os 40 ao 70 graus. Até agora poucas vezes tive de brindar com esta bebida espirituosa (e acredito que após uns copos me sentiria mais espírito que físico), mas comummente (há mais alguma palavra portuguesa com dois ‘m’ seguidos?) o faço com vinho – justificado pelo facto de estar neste sector.

Por outro lado – para dificultar ainda mais a tarefa – o brinde passa por secar o copo. Por vezes nota-se que os próprios chineses tentam limitar os brindes, mas após o décimo ou décimo quinto copo já não se importam, e lá vai mais um ‘ganbei’, ou (a melhor tradução que vi até agora) ‘secar o copo’. Recentemente foi o que me aconteceu, num almoço (e os almoços são sempre os priores, principalmente quando se tem de trabalhar de tarde), brindámos seis vezes com vinho branco, e perdi a conta quando ia no quarto copo de vinho tinto, mas sei que brindei mais vezes com este do que com o primeiro. O copo era pequeno, a quantidade também ela pequena, mas a beber à golada e continuamente (11 pessoas na mesa propuseram pelo menos um brinde cada), resulta numa pesca acelerada aos pratos para tentar reduzir o nível de álcool. Ainda assim, não chegou a ser a experiência mais concentrada (de álcool) que tive até agora.

Porquê esta filosofia? Pelo que tenho notado, os chineses tendem a ter mais confiança em quem partilha uns copos – e uma provável bebedeira – com eles. Na tradição chinesa – e com bastantes exemplos na literatura e poesia – eram comuns os brindes entre amigos, nas separações e reuniões, nas tristezas e felicidades. Deste modo, partilhar um copo significa que ambos os lados estão de boa fé, que querem fazer amizade (e na China, quem quer fazer negócio tem de apostar na relação pessoal). Recusar pode ser interpretado como querendo manter as distâncias.

Por outro lado, parece ser algo de puxar até aos limites. Querem testar o nível de álcool que uma pessoa consegue absorver, principalmente se essa pessoa for o convidado especial (não necessariamente o mais importante, mas simplesmente o ‘especial’). Quanto mais uma pessoa recusa beber (principalmente se já bebeu), mais insistirão. Apercebi-me que nestes casos mais vale enfrentar o boi pelos cornos (salvo seja, mas é a única expressão que podemos usar, não soaria bem dizer o chinês pela boca) e propormos nós próprios os brindes. Aí interpretarão como que não temos medo de beber e temos um limite bastante alto para eles. Com alguma sorte, após alguns copinhos o ritmo abranda e até pode parar.

Não se pense, todavia, que tais brindes acontecem sempre. Nos últimos anos a prática do ‘ganbei’ tem mudado e por vezes se tem tornado simbólica. Principalmente por preocupações com a saúde levam muitas pessoas a reduzir as quantidades, a misturar água ou outras bebidas para diluir o álcool, ou simplesmente a limitar o número de brindes. Pode-se, contudo, contar que esta prática, sendo cultural (para além dos negócios, pode encontrar-se em casamentos, aniversários, encontros de amigos, etc.), perdure ainda por bastante tempo.


Por isso, com ou sem brinde, sempre que possível convide a outra parte para almoçar ou jantar. É uma boa oportunidade para os conhecer, quebrar o gelo e, quem sabe, suavizar o negócio ou fazer amigos.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

O regresso ao blog

Depois de quase um ano de ausência – pouco notada – fui convencido a retomar as poucas ideias e muitas opinões sobre a China. Por isso, dada a época em que estamos – o início de um novo ano – é altura de relembrar o que se passou e fazer previsões para o ano que começou. Na verdade, se seguirmos as tendências gerais, o resumo dos acontecimentos do ano deveria ter sido feita antes do natal e as previsões antes do ano novo. Já passou o timing mais apropriado para isso, e poderia salvar-me com as previsões, mas como não consigo nem sequer prever o que vai ser o meu jantar amanhã, julgo que não estou apto a prever os acontecimentos para 1,3 mil milhões de pessoas. Poderia fazê-lo à mesma, e em doze meses ninguém se lembraria, mas não quero ser o anunciador de más notícias – e este ano prevejo que seja vermelho para a China, já que todos os anos o são, em vários aspectos, a China aprecia e identifica-se com o vermelho (um dia escreverei sobre isso).

Voltando ao tópico, 2008 queria ser o ano – queria a China, não o ano – em que a China fosse lembrada no mundo, e de facto isso aconteceu. A China procurou projectar no mundo uma imagem mais coerente da que tem de si própria, digamos uma actualização da imagem que muitos ocidentais ainda têm da China. Esse evento – se já não se lembram, foram os Jogos Olímpicos – foi inteiramente planeado como um acto de relações públicas internacional para promover a China. Nada de negativo nesta acção, é algo comum a qualquer estado, empresa, instituição ou mesmo personalidade. No entanto, a atenção do mundo sobre a China – que seria limitada a um mês durante o evento – passou a uma atenção que perdurou quase todo o ano devido a incidentes negativos, não planeados e por vezes anulando o efeito positivo dos Jogos Olímpicos – isto é, os incidentes no Tibete e o terramoto em Sichuan.

Que reflexões podemos neste momento fazer sobre estes incidentes?

1. Mostram a cultura mosaico em que vivemos.

Aquando do início dos incidentes no Tibete, começaram imediatamente as notícias, comentários, debates, indignações, apoios, opiniões, acções e reacções, um pouco por todo o mundo. De repente, a China ocupava parte dos noticiários. Por quanto tempo? Aquando do terramoto em Sichuan, o Tibete ainda estava quente, mas já poucos falavam disso. Alguns ainda falaram, outros correlaram, como é mais conhecida a declaração da Sharon Stone – a quem não aconselho uma visita à China nos próximos.....hum.....50 anos devem bastar. Aquando dos Jogos Olímpicos, poucos ainda se lembravam do Tibete, mas a notícia do dia então eram os jogos e os atletas, e por onde ficaram as vítimas do terramoto? A China em poucos meses passou de malvada para coitada para extraordinária.

2. Se bem que com efeitos mais mitigados, a China conseguiu o que pretendia.

A China queria impressionar e conseguiu. Em Portugal diziam-me que foi a melhor cerimónia de abertura que viram até hoje, e nunca imaginaram que a China conseguisse produzir um espectáculo assim. Ao nível dos jornalistas, se bem que com alguns precalços, elogiaram a organização. E os visitantes tiveram a oprtunidade de ver os monumentos chineses. Além disso, um exército de voluntários e alguns conselhos aos habitantes tentaram criar uma experiência positiva a todos os visitantes. Sorte a dela, foi o último evento do ano que marcou a China, pelo que é o que fica mais tempo na memória (anulou efeitos negativos de eventos anteriores e não foi eclipsada por eventos negativos posteriores), por isso julgo que cumpriu o objectivo.

3. O debate foi lançado.

Especialmente o primeiro problema no Tibete orignou um debate aceso sobre quem estaria correcto que se alastrou em espaço e menos em tempo – a não ser para alguns mais casmurros – para a questão dos Jogos Olímpicos. Notei que havia no essencial dois campos opostos simples de discernir nesta questão – os chineses e os ocidentais –, mas notei igualmente que muitos estrangeiros a habitar na China procuraram envolver-se no debate tentando tomar um ponto de vista mais central: basicamente explicando que a China não é a má da fita e tem algumas pretensões fundadas. Na altura abstive-me do debate – pareceu-me um debate de surdos em que qualquer das partes debatia sobre argumentos históricos e emotivos para defender a sua causa (mental note: a História fornece mais argumentos subjectivos do que objectivos para fundamentar pretensões) – e não entrarei nele neste momento. Qualquer argumento lançado teria opositores fundamentalistas (mas não islâmicos neste caso, se bem que também possam partilhar uma opinião). Mas retive com interesse o facto de que para além de todo o debate da cultura mosaico (em que necessitam de simples explicações como bom e mau), há gente que tente ir para além disso, mesmo que por vezes acabem submergidos no debate e subjectivos como os restantes.

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Nada de conclusões. Fica uma mensagem longa mas menos estruturada, já que o ano começou frio e as minhas qualidades na escrita também estão frias.