quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

‘Economia e Gestão Chinesas’

ANTÓNIO, Nelson Santos, Economia e Gestão Chinesas. Aspectos Fundamentais. Edições Sílabo, Lisboa: 2008, 1ª edição, 167 pág.

Com este livro, o autor na Introdução começa a integrar o desenvolvimento chinês não como algo de extraordinário e sui generis, mas simplesmente como uma fase normal dos desenvolvimentos do sistema mundial, à semelhança do desenvolvimento ibérico, holandês, inglês e norte-americano que o precedeu. Por fim, como colorário do que irá explorar, apresenta a verdadeira face da China: uma China cujo desenvolvimento provável será feito a duas velocidades, um facto amplamente esquecido por ambos chineses e ocidentais.

Nos capítulos seguintes, o autor pincela sobre as diversas vertentes dos negócios chineses, salvando-nos de estatísticas intermináveis que alguns utilizam para nos curar de insónias, e apresentando o texto de um modo leve, por vezes recorrendo a uma visão macro e outras a um case study ou a uma pequena história para ilustrar. Reconheço que este é um projecto que não é fácil, já que estudar os negócios na China significa enveredar pelas práticas culturais não só dos chineses do continente, mas também dos chineses na diáspora, e respectivas interacções após a abertura em 1978. Especialmente para um pequeno livro como este. Um ponto importante a reter é a ênfase na componente local do empreendorismo, e nos obstáculos ao mesmo.

Um aspecto curioso é o facto de tomar o ponto de vista chinês ao explicar práticas empresariais e possíveis estratégias. Por exemplo, considerei bastante curioso o quadro nas páginas 90 e 91 sobre as possíveis estratégias para internacionalização das empresas chinesas. Este quadro é mais do interesse dos chineses do que dos europeus (e até poderá ser prejudicial para estes últimos, se não souberem mais nada sobre os negócios na China). Ainda mais interessante é o contraste feito pelos chineses sobre as práticas europeias e americanas, e a sua flexibilidade em tentarem tirar proveito das duas.

Do lado negativo, começo por um ponto que parece comum à maior parte dos livros sobre a China em português (europeu). Em primeiro lugar, os erros de grafia em relação às palavras chinesas. Posso deixar passar a grafia correcta de jia-ren e logo de seguida na mesma página jian-ren (pág. 58), ou Fundan (pág. 79) em vez do nome correcto da mais prestigiada universidade de Shanghai Fudan (imaginemos que alguém escreve Universidade de Coimbira). Mas não aceito que ao longo do capítulo 2, Tiananmen (ou, ainda mais correctamente, Tian’anmen) esteja sempre escrito como Tianmen (em chinês, isso seria pior que confundir Braga e Praga). Além disso, ao longo do texto há uma mistura das grafias do sistema Wade-Gilles e de Pinyin sem qualquer lógica e explicação. Por exemplo, benevolência (ren) surge como jen, enquanto que familiar (jia-ren) surge como ren.

Passando às ideias propriamente ditas, no cômputo geral o livro é bastante positivo, pelo que apenas deixo duas notas. Uma delas refere-se ao confucionismo nos negócios. A outra diz respeito à harmonia (he) nos negócios.

Deste livro, fiquei com uma ideia geral de que o confucionismo resulta, já que é adoptado pelos chineses na diáspora e agora imitado no continente. O confucionismo já foi apresentado como factor determinante na proliferação dos negócios dos chineses e como obstáculo para essa mesma proliferação. Até agora ainda não li qualquer estudo conclusivo. No caso do continente, em vez de salientar o regresso ao confucionismo (e a exploração do ‘guanxi’, que é um conceito diferente), desenvolveria mais a China com diversos modelos. O governo escolhe diversos modelos de desenvolvimento (esta parte é explicada), mas as empresas também. Há as que apostam numa gestão mais chinesa ou patriacal (ou confucionista como o autor prefere chamar), outras uma gestão mais ocidental, outras apenas pretendem obtenção de lucro rápido, e nem sequer adoptam métodos de gestão (já trabalhei com uma empresa chinesa de exportação que nem tinha registado os preços de venda que praticava). Apenas os mais adaptados sobreviverão, mas neste momento é difícil descortinar quais são. Além disso, muitas das empresas mantém relações estreitas com entidades governamentais, em que o conceito de guanxi (e não de confucionismo) é mais determinante.

Além disso, não é salientado que o confucionismo foi rigorosamente seguido durante séculos, e na altura da Dynastia Qing, qualquer pessoa de educação versava sobre os clássicos confucionistas. Apesar disso, se bem que a influência confucionista seja maioritária, não é total, pois poderá igualmente haver influências taoistas e até budistas. Na verdade, nalguns parágrafos do livro fiquei com a sensação de estar mais a desenvolver o taoismo que o confucionismo, mas como não sou perito nesta área e ainda não efectuei qualquer estudo (mas fica lançado o tópico) não me posso pronunciar profundamente. Em suma, posso apenas dizer que como a civilização judaico-cristã ocidental segue a moral cristã ainda que não seja religiosa, o mesmo se passa com os chineses da diáspora: tornou-se parte da cultura. No continente, neste momento de facto há uma tendência de regresso à cultura ancestral, um movimento por vezes incentivado pelo próprio governo.

Ainda no mesmo tópico, o autor explica que os chineses da diáspora trabalham em redes familiares e os chineses do continente os tentam imitar. Isso cria um conceito de nepotismo dentro das empresas, e parece-se esquecer do mesmo nepotismo fora das empresas. Em relação ao continente, apenas na conclusão explica claramente que, devido ao facto de que as famílias no continente foram algo desmembradas devido à história recente (nota minha), o conceito de família tem de ser alargado:

“Contudo o conceito de família na gestão, sobretudo das empresas públicas, deve ser alargado. Os gestores são muitas das vezes escolhidos dentro da família política e não pelo seu mérito. O hábito de trabalhar em rede obriga a uma redefinição do conceito de família, a razão de pertença a uma família deixa de ser exclusivamente o sangue e passa a ser a existência de interesses comuns.”

No desenvolvimento do conceito de harmonia (he), concordo com o autor. A China é um país onde a sociedade tenta a harmonia em vez do confronto. O conceito de face é fundamental (e daria um livro só por si). No entanto, na gestão de negócios, em vez do conceito de harmonia, apostaria num conceito de taiji. Isto é, o modo de lidar com os negócios é como praticar Taiji: qualquer movimento é lento e fluído, sem gestos abruptos, cuja conquista de espaço se obtém não pelo confronto directo (tipo gongfu) mas pelo afastamento lento do adversário. A qualquer momento se pode recuar e avançar, sem perder a face nem perder a face do outro. Por isso, a harmonia apenas é superficial: no íntimo, e uma relação de forças constante.

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