segunda-feira, 23 de março de 2009

A arte de viver na China

Viver na China ou em qualquer outro lado. Na nossa casa ou fora dela. Do lado em que o sol se põe no mar ou no lado em que nasce de lá. É uma arte, um arte de aprendizagem, de compreensão e de adaptação. Por vezes mais fácil quando lá nascemos, outras vezes mais difícil, quando para lá já vamos crescidos.

Ultimamente – e para justificar a ausência prolongada deste blog – estive a preparar um evento (um seminário técnico) pela primeira vez. Andei exausto, a trabalhar 12 horas por dia e sete dias por semana. Tive de pôr de lado a minha vida social – algo que terá de continuar por mais algum tempo pelo follow up que terei de fazer agora – mas isso não interessa para este blog.

Na altura de preparar o seminário, tive de me apoiar no resto da equipa local – chineses – e existiram muitas interpretações diferentes. Iríamos ter um seminário de estilo europeu na China em que a audiência era chinesa e estrangeira. Originou diversos debates.

Com o seminário, contei com a presença de oradores europeus, um dos quais veio pela primeira vez à China. Tive a oportunidade de conversar prolongadamente com ele. Conversámos bastante sobre a China, e sobre a primeira impressão que ele teve. Gosto de o perguntar, lembra-me a minha primeira sensação, o choque, a descoberta, a incompreensão. Habituei-me a corrigir levemente essas interpretações, a maior parte das vezes são superficiais – pelo pouco tempo em que tantas impressões chovem – e a explicar os chineses com mais profundidade. Mas por vezes – como desta vez – sou eu que aprendo. Algumas pessoas têm o dom de se aperceberem do mundo que as rodeiam com alguma precisão, e de conseguirem resumir os pontos principais.

Lembro-me durante o mestrado de ouvir histórias de académicos sobre a China. Numa delas, dizia-se que quem vem à China por um mês pode escrever um livro; quem vive cá um ano pode escrever um artigo; quem vive dois anos, pode escrever um parágrafo; e quem estuda a China durante muito tempo não consegue escrever nada. Estou a sentir esse processo no sangue: durante o fim de semana alonguei-me sobre o conceito de mianzi, guanxi, a dialéctica China moderna com a sua história imperial, ética corporativa, etc. Mas os pontos essenciais de como descrever um povo disse-mos ele, não eu.

Pontos de vista, impressões, opinões dependem, portanto, não só de quem as faz – com o seu background académico, cultural, etc. – mas também de como as faz. Estar dentro da questão, fora dela, de uma perspectiva parcial ou imparcial, as conclusões podem ser interessantes. Para dar um exemplo, imaginemos a nossa casa: nós todos os dias acordamos nela e deitamo-nos nela; dispomos os móveis e decoração como queremos; adquirimos os objectos que gostamos. Para nós, tal disposição é normal, e quando muito justificamos o facto de colocarmos a televisão nesta posição e não naquela porque assim vê-se melhor quando nos deitamos no sofá. Mas para outras pessoas, que nunca viram a nossa casa e lá vão pela primeira vez, apercebem-se do carácter de quem lá vive. Eu vivo dentro da casa, e julgo bastante refrescante ouvir as opiniões de quem vive fora.

Por outro lado, há outros que conseguem manter ambas as perspectivas, e espero um dia também o conseguir. Até agora, o melhor exemplo que encontrei é o de Lin Yutang, chinês da primeira metade do século vinte, filho de um missionário chinês com educação europeia e que viveu bastantes anos nos Estados Unidos. O modo de descrição do povo chinês feito por ele, na minha opinião, é bastante profundo e consegue passar dos pormenores para a ‘big picture’.

Este texto é apenas um lembrete pessoal, e quem para quem está interessado em aprender sobre a China. A conversa deste fim de semana vai deixou-me bastantes questões interessantes para as próximas semanas...

6 comentários:

Jana Jan disse...

Esqueci totalmente e peço desculpas. Adorei te ler de novo.

Alexandre Almeida disse...

Não há problema, acontece...
De qualquer modo, correu bastante bem

leogarin disse...

Olá

Gostei do seu post.
Sou da área de ciencias sociais e planejo ir para a China em 6 meses.
Gostaria de saber como vocë conseguiu fazer mestrado na pais, em que universidade, qual cidade e como foi todo o processo.
Um grande abraco
Leonardo

Alexandre Almeida disse...

Olá Leonardo,

Antes de mais agradeço o comentário.

O mestrado que fiz foi através da Universidade de Aveiro (Portugal), a qual tinha parceria com algumas universidades chinesas e permitiu-me deste modo passar um ano em Shanghai (na Universidade de Shanghai) a fazer a pesquisa para a tese.

Espero que tenha ajudado, e boa sorte!

Abraço

Antiego disse...

Estou a gostar de ler, mas procuro textos sobre a mentalidade do povo Chinês, como eles são, na realidade, para afastar a ideia de "Aí vêm os papões".
Quais os posts de que fala nisso?

Obrigado

Alexandre Almeida disse...

Olá Antiego!

Agradeço o comentário e o interesse tanto pelos posts e pelo tópico sugerido. Ainda não tenho um post completamente dedicado à mentalidade chinesa, já que é um desafio algo complexo.

Se bem que a mentalidade chinesa tenha mudado muito devido à revolução comunista, por outro lado ainda tem muita ressonância da mentalidade da China imperial, isto é, nos princípios budistas e confucionistas.

Seria no entanto bastante interessante analisar os estratos da mentalidade chinesa e a influência de cada tipo de filosofia e religião no que é a China hoje.

Além disso, devido às convulsões da China nos últimos 100 anos, cada geração chinesa apresenta valores diferentes, e por conseguinte uma alteração do modo de pensar e de lidar com os problemas.

Fica o tema levantado, talvez no futuro publique um post com este tema.

Obrigado!