Viver na China ou em qualquer outro lado. Na nossa casa ou fora dela. Do lado em que o sol se põe no mar ou no lado em que nasce de lá. É uma arte, um arte de aprendizagem, de compreensão e de adaptação. Por vezes mais fácil quando lá nascemos, outras vezes mais difícil, quando para lá já vamos crescidos.
Ultimamente – e para justificar a ausência prolongada deste blog – estive a preparar um evento (um seminário técnico) pela primeira vez. Andei exausto, a trabalhar 12 horas por dia e sete dias por semana. Tive de pôr de lado a minha vida social – algo que terá de continuar por mais algum tempo pelo follow up que terei de fazer agora – mas isso não interessa para este blog.
Na altura de preparar o seminário, tive de me apoiar no resto da equipa local – chineses – e existiram muitas interpretações diferentes. Iríamos ter um seminário de estilo europeu na China em que a audiência era chinesa e estrangeira. Originou diversos debates.
Com o seminário, contei com a presença de oradores europeus, um dos quais veio pela primeira vez à China. Tive a oportunidade de conversar prolongadamente com ele. Conversámos bastante sobre a China, e sobre a primeira impressão que ele teve. Gosto de o perguntar, lembra-me a minha primeira sensação, o choque, a descoberta, a incompreensão. Habituei-me a corrigir levemente essas interpretações, a maior parte das vezes são superficiais – pelo pouco tempo em que tantas impressões chovem – e a explicar os chineses com mais profundidade. Mas por vezes – como desta vez – sou eu que aprendo. Algumas pessoas têm o dom de se aperceberem do mundo que as rodeiam com alguma precisão, e de conseguirem resumir os pontos principais.
Lembro-me durante o mestrado de ouvir histórias de académicos sobre a China. Numa delas, dizia-se que quem vem à China por um mês pode escrever um livro; quem vive cá um ano pode escrever um artigo; quem vive dois anos, pode escrever um parágrafo; e quem estuda a China durante muito tempo não consegue escrever nada. Estou a sentir esse processo no sangue: durante o fim de semana alonguei-me sobre o conceito de mianzi, guanxi, a dialéctica China moderna com a sua história imperial, ética corporativa, etc. Mas os pontos essenciais de como descrever um povo disse-mos ele, não eu.
Pontos de vista, impressões, opinões dependem, portanto, não só de quem as faz – com o seu background académico, cultural, etc. – mas também de como as faz. Estar dentro da questão, fora dela, de uma perspectiva parcial ou imparcial, as conclusões podem ser interessantes. Para dar um exemplo, imaginemos a nossa casa: nós todos os dias acordamos nela e deitamo-nos nela; dispomos os móveis e decoração como queremos; adquirimos os objectos que gostamos. Para nós, tal disposição é normal, e quando muito justificamos o facto de colocarmos a televisão nesta posição e não naquela porque assim vê-se melhor quando nos deitamos no sofá. Mas para outras pessoas, que nunca viram a nossa casa e lá vão pela primeira vez, apercebem-se do carácter de quem lá vive. Eu vivo dentro da casa, e julgo bastante refrescante ouvir as opiniões de quem vive fora.
Por outro lado, há outros que conseguem manter ambas as perspectivas, e espero um dia também o conseguir. Até agora, o melhor exemplo que encontrei é o de Lin Yutang, chinês da primeira metade do século vinte, filho de um missionário chinês com educação europeia e que viveu bastantes anos nos Estados Unidos. O modo de descrição do povo chinês feito por ele, na minha opinião, é bastante profundo e consegue passar dos pormenores para a ‘big picture’.
Este texto é apenas um lembrete pessoal, e quem para quem está interessado em aprender sobre a China. A conversa deste fim de semana vai deixou-me bastantes questões interessantes para as próximas semanas...
segunda-feira, 23 de março de 2009
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6 comentários:
Esqueci totalmente e peço desculpas. Adorei te ler de novo.
Não há problema, acontece...
De qualquer modo, correu bastante bem
Olá
Gostei do seu post.
Sou da área de ciencias sociais e planejo ir para a China em 6 meses.
Gostaria de saber como vocë conseguiu fazer mestrado na pais, em que universidade, qual cidade e como foi todo o processo.
Um grande abraco
Leonardo
Olá Leonardo,
Antes de mais agradeço o comentário.
O mestrado que fiz foi através da Universidade de Aveiro (Portugal), a qual tinha parceria com algumas universidades chinesas e permitiu-me deste modo passar um ano em Shanghai (na Universidade de Shanghai) a fazer a pesquisa para a tese.
Espero que tenha ajudado, e boa sorte!
Abraço
Estou a gostar de ler, mas procuro textos sobre a mentalidade do povo Chinês, como eles são, na realidade, para afastar a ideia de "Aí vêm os papões".
Quais os posts de que fala nisso?
Obrigado
Olá Antiego!
Agradeço o comentário e o interesse tanto pelos posts e pelo tópico sugerido. Ainda não tenho um post completamente dedicado à mentalidade chinesa, já que é um desafio algo complexo.
Se bem que a mentalidade chinesa tenha mudado muito devido à revolução comunista, por outro lado ainda tem muita ressonância da mentalidade da China imperial, isto é, nos princípios budistas e confucionistas.
Seria no entanto bastante interessante analisar os estratos da mentalidade chinesa e a influência de cada tipo de filosofia e religião no que é a China hoje.
Além disso, devido às convulsões da China nos últimos 100 anos, cada geração chinesa apresenta valores diferentes, e por conseguinte uma alteração do modo de pensar e de lidar com os problemas.
Fica o tema levantado, talvez no futuro publique um post com este tema.
Obrigado!
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