terça-feira, 24 de março de 2009

As revoluções e a mentalidade

Por vezes ouve-se uma frase brilhante, que resume um princípio geral que outros tentam explicar com livros e não conseguem. A frase fica na memória, mas esquecemo-nos de quem a disse, e aqui vai com um “como alguém disse...” É o meu caso agora, para começar a minha entrada de hoje. Então, como alguém me disse nos meus tempos de universidade, citando outro alguém que o disse originalmente, as revoluções podem transformar tudo, mas há duas coisas que ficam: a mentalidade e a burocracia.

Outro alguém, desta vez um historiador francês frequentemente citado por um outro professor universitário, disse que o Homem é menos parecido com os seus pais do que com o seu tempo. E para o provar, mais uma vez sem fonte confirmada, lembro-me de terem encontrado uma placa babilónica ou egípcia em que quem o escreveu se queixava que os bons tempos já tinham passado, e a nova geração já não respeitava os pais... Familiar?

Usamos esta confusa introdução para finalmente entrarmos no ponto específico da China, objectivo prioritário deste blog, para explicar diferenças geracionais. É bastante comum – pelo menos entre estrangeiros – explicar-se o comportamento chinês de acordo com a sua geração. A história do século vinte na China marcou os chineses muito mais que a nossa história recente, mesmo que com o Estado Novo e guerras coloniais. É comum indicar um chinês mais velho como que anterior à revolução comunista, outro cuja educação foi feita durante a Revolução Cultural, ou a geração dos pequenos imperadores, fruto do filho único e do boom económico.

Contudo, ainda não é isto que quero apresentar. Pretendo antes mostrar a excepção à regra, por isso os veios regionais comuns a certas regiões, mais concretamente algumas diferenças entre Shanghai e Pequim. Uma anedota que me contaram, foi a de um extraterrestre a aterrar na China: se aterrasse em Pequim, levavam-no para um instituto para o estudarem; se em Shanghai, faziam dinheiro com ele; se em Guangzhou, comiam-no.

Esta imagem é correcta e confirmada pelos próprios chineses: Pequim é a capital administrativa, Shanghai a capital de negócios e Guangzhou com a melhor cozinha na China (e com os pratos mais estranhos). Parece um fenómeno recente, dados os perto de 30 anos de maoísmo puro. Uma nova China nasceu em 1949, e todos os traços anteriores foram cortados. A revolução mudou a China, fez tábua rasa do passado e instaurou uma nova filosofia. A China tornou-se uniforme, e o desenvolvimento actual foi feito após 1978... Será?

Vejamos as diferenças actuais – notadas por experiência própria – entre Shanghai e Pequim: Shanghai é uma cidade de negócios, atrai bastantes empresas, é a cidade mais cosmopolita da China continental e está a perseguir cada vez mais próximo cidades como Hong Kong e Taipé. Os chineses locais são muito mais práticos, mais orientados para os negócios, mais materialistas, e mais abertos às influências estrangeiras. É verdade que aquando da abertura de Shanghai, o governo injectou bastantes capitais para o seu desenvolvimento. Promoveu o investimento estrangeiro, até um ponto em que este afluía por si mesmo. Mas não provocou o comportamento dos chineses locais; por exemplo, Guangzhou desenvolveu-se antes, está muito mais próxima de Hong Kong e no entanto parece mais local.

É, portanto, uma característica actual de Shanghai... Actual? Num dos livros de Lin Yutang (o meu herói a descrever o povo chinês), escrito mais de 50 anos antes, apresenta uma descrição semelhante sobre Shanghai. Exactamente a mesma orientação para os negócios, o mesmo cosmopolitismo, a mesma abertura para as coisas estrangeiras!

Por outro lado, surge o mesmo contraste em relação a Pequim, de caraterística mais chinesa, mais relaxada, mais institucional, mais virada para o seu umbigo.

Mais curioso ainda, é a relação entre os expatriados nas duas cidades: já ouvi muitos estrangeiros em Pequim queixarem-se que os estrangeiros de Shanghai são muito mais materialistas, mais interessados em saber o que fazemos do que saber quem somos.

Para além disso, numa análise regional ainda mais profunda, se tal se pretender, podem notar-se diferenças de pronunciação (principalmente nos dialectos), atitudes, comidas, cultura, etc. Tais diferenças são detectadas pelos chineses, e têm explicações gerais para estas diferenças. Mas isso fica para outro dia...

1 comentário:

Jana Jan disse...

Eu totalmente acho que por mais que o passado possa ter sido "apagado", os tracos socioculturais da China se mantem ha bem mais de um punhado de decadas.