Nos já algo longínquos tempos do Mestrado, lembro-me em particular de um estudo que fiz. Já não me lembro muito bem da pergunta, lembro-me ainda menos da resposta que dei, tenho-a algures arquivada em Portugal, mas diversos pontos fazem-me lembrar este ensaio em especial.
Um primeiro foi o facto de o ter escrito em português. O Professor da disciplina de Geografia da China era americano e leccionava em Londres. Aprendeu a ler português com um livro de Saramago e um diccionário. Só isto já merece respeito. E pelo respeito que lhe devia, decidi escrever o meu ensaio em português, ao contrário dos restantes colegas, ponto que ele apreciou.
Além disso, foi um dos melhores exames, e o Professor apreciou bastante a dose de reflexões que incluí. Ainda me lembro ele ter-se lamentado eu não ter indicado a bibliografia - já que me baseei na lista que ele tinha dado.
Por fim, um ponto ficou-me entravado. A questão tinha alguma relação com a luta contra a natureza empreendida pelo Mao, e os subsequentes problemas ambientais que Deng tentou resolver. Um dos pontos que vinquei no ensaio era o de que durante a China imperial o Homem vivia em harmonia com a natureza e após a revolução comunista tornou-se uma luta. O Professor não concordou com este argumento. Leituras posteriores levaram-me a concordar com ele, e por conseguinte a discordar comigo.
De facto, a China é um país com uma dimensão quase idêntica à dos Estados Unidos, mas a sua terra arável corresponde a perto de um terço do seu território. É sabido que durante a China imperial o seu território não era tão vasto: a China nasceu na Bacia do Rio Amarelo e foi-se extendendo entre as bacias deste rio e do Rio Yantze (ou como prefiro, Changjiang). No entanto, terra fértil para uma população crescente sempre foi uma grande preocupação dos governos chineses: basta olhar para a História e verificar que quando havia constantes más colheitas, surgiam rebeliões que acabavam por derrubar a dinastia reinante. Por isso, todo um sistema foi criado à volta das necessidades agrícolas: o calendário, as cerimónias, o mandato do Céu, a própria legitimade do governante, o sistema das granarias, etc. E com base nas necessidades agrícolas, o natureza foi sendo moldada.
Já o Livro da História (尚书) relata as contribuições de Yu (禹贡) para não só identificar o seu império, mas principalmente para moldar o relevo – criar terrenos para a agricultura, orientar rios e canais para evitar cheias... Muitas lendas chinesas colocam lugar de destaque para inovações na agricultura, controlo de cheias, construção de canais, etc.
Na mordernidade, a diferença desta contante luta contra a natureza deve-se ao facto do auxílio adicional oferecido pela maquinaria e tecnologia: promoveu a luta em maior escala e acelerou os problemas negativos causados pela industrialização. Hoje em dia, continuam os grandes projectos de construção como a Barragem das Três Gargantas (Sanxia). Isto é, a China, para poder suster o crescimento da população, tem de manter tal luta contra a natureza. A diferença entre o passado recente e o presente é que de uma luta pura contra a natureza, neste momento a China vê-se com necessidade de promover uma luta sustentável. Caso contrário, o aumento de produtividade irá a longo termo ter mais efeitos negativos.
sábado, 28 de março de 2009
terça-feira, 24 de março de 2009
As revoluções e a mentalidade
Por vezes ouve-se uma frase brilhante, que resume um princípio geral que outros tentam explicar com livros e não conseguem. A frase fica na memória, mas esquecemo-nos de quem a disse, e aqui vai com um “como alguém disse...” É o meu caso agora, para começar a minha entrada de hoje. Então, como alguém me disse nos meus tempos de universidade, citando outro alguém que o disse originalmente, as revoluções podem transformar tudo, mas há duas coisas que ficam: a mentalidade e a burocracia.
Outro alguém, desta vez um historiador francês frequentemente citado por um outro professor universitário, disse que o Homem é menos parecido com os seus pais do que com o seu tempo. E para o provar, mais uma vez sem fonte confirmada, lembro-me de terem encontrado uma placa babilónica ou egípcia em que quem o escreveu se queixava que os bons tempos já tinham passado, e a nova geração já não respeitava os pais... Familiar?
Usamos esta confusa introdução para finalmente entrarmos no ponto específico da China, objectivo prioritário deste blog, para explicar diferenças geracionais. É bastante comum – pelo menos entre estrangeiros – explicar-se o comportamento chinês de acordo com a sua geração. A história do século vinte na China marcou os chineses muito mais que a nossa história recente, mesmo que com o Estado Novo e guerras coloniais. É comum indicar um chinês mais velho como que anterior à revolução comunista, outro cuja educação foi feita durante a Revolução Cultural, ou a geração dos pequenos imperadores, fruto do filho único e do boom económico.
Contudo, ainda não é isto que quero apresentar. Pretendo antes mostrar a excepção à regra, por isso os veios regionais comuns a certas regiões, mais concretamente algumas diferenças entre Shanghai e Pequim. Uma anedota que me contaram, foi a de um extraterrestre a aterrar na China: se aterrasse em Pequim, levavam-no para um instituto para o estudarem; se em Shanghai, faziam dinheiro com ele; se em Guangzhou, comiam-no.
Esta imagem é correcta e confirmada pelos próprios chineses: Pequim é a capital administrativa, Shanghai a capital de negócios e Guangzhou com a melhor cozinha na China (e com os pratos mais estranhos). Parece um fenómeno recente, dados os perto de 30 anos de maoísmo puro. Uma nova China nasceu em 1949, e todos os traços anteriores foram cortados. A revolução mudou a China, fez tábua rasa do passado e instaurou uma nova filosofia. A China tornou-se uniforme, e o desenvolvimento actual foi feito após 1978... Será?
Vejamos as diferenças actuais – notadas por experiência própria – entre Shanghai e Pequim: Shanghai é uma cidade de negócios, atrai bastantes empresas, é a cidade mais cosmopolita da China continental e está a perseguir cada vez mais próximo cidades como Hong Kong e Taipé. Os chineses locais são muito mais práticos, mais orientados para os negócios, mais materialistas, e mais abertos às influências estrangeiras. É verdade que aquando da abertura de Shanghai, o governo injectou bastantes capitais para o seu desenvolvimento. Promoveu o investimento estrangeiro, até um ponto em que este afluía por si mesmo. Mas não provocou o comportamento dos chineses locais; por exemplo, Guangzhou desenvolveu-se antes, está muito mais próxima de Hong Kong e no entanto parece mais local.
É, portanto, uma característica actual de Shanghai... Actual? Num dos livros de Lin Yutang (o meu herói a descrever o povo chinês), escrito mais de 50 anos antes, apresenta uma descrição semelhante sobre Shanghai. Exactamente a mesma orientação para os negócios, o mesmo cosmopolitismo, a mesma abertura para as coisas estrangeiras!
Por outro lado, surge o mesmo contraste em relação a Pequim, de caraterística mais chinesa, mais relaxada, mais institucional, mais virada para o seu umbigo.
Mais curioso ainda, é a relação entre os expatriados nas duas cidades: já ouvi muitos estrangeiros em Pequim queixarem-se que os estrangeiros de Shanghai são muito mais materialistas, mais interessados em saber o que fazemos do que saber quem somos.
Para além disso, numa análise regional ainda mais profunda, se tal se pretender, podem notar-se diferenças de pronunciação (principalmente nos dialectos), atitudes, comidas, cultura, etc. Tais diferenças são detectadas pelos chineses, e têm explicações gerais para estas diferenças. Mas isso fica para outro dia...
Outro alguém, desta vez um historiador francês frequentemente citado por um outro professor universitário, disse que o Homem é menos parecido com os seus pais do que com o seu tempo. E para o provar, mais uma vez sem fonte confirmada, lembro-me de terem encontrado uma placa babilónica ou egípcia em que quem o escreveu se queixava que os bons tempos já tinham passado, e a nova geração já não respeitava os pais... Familiar?
Usamos esta confusa introdução para finalmente entrarmos no ponto específico da China, objectivo prioritário deste blog, para explicar diferenças geracionais. É bastante comum – pelo menos entre estrangeiros – explicar-se o comportamento chinês de acordo com a sua geração. A história do século vinte na China marcou os chineses muito mais que a nossa história recente, mesmo que com o Estado Novo e guerras coloniais. É comum indicar um chinês mais velho como que anterior à revolução comunista, outro cuja educação foi feita durante a Revolução Cultural, ou a geração dos pequenos imperadores, fruto do filho único e do boom económico.
Contudo, ainda não é isto que quero apresentar. Pretendo antes mostrar a excepção à regra, por isso os veios regionais comuns a certas regiões, mais concretamente algumas diferenças entre Shanghai e Pequim. Uma anedota que me contaram, foi a de um extraterrestre a aterrar na China: se aterrasse em Pequim, levavam-no para um instituto para o estudarem; se em Shanghai, faziam dinheiro com ele; se em Guangzhou, comiam-no.
Esta imagem é correcta e confirmada pelos próprios chineses: Pequim é a capital administrativa, Shanghai a capital de negócios e Guangzhou com a melhor cozinha na China (e com os pratos mais estranhos). Parece um fenómeno recente, dados os perto de 30 anos de maoísmo puro. Uma nova China nasceu em 1949, e todos os traços anteriores foram cortados. A revolução mudou a China, fez tábua rasa do passado e instaurou uma nova filosofia. A China tornou-se uniforme, e o desenvolvimento actual foi feito após 1978... Será?
Vejamos as diferenças actuais – notadas por experiência própria – entre Shanghai e Pequim: Shanghai é uma cidade de negócios, atrai bastantes empresas, é a cidade mais cosmopolita da China continental e está a perseguir cada vez mais próximo cidades como Hong Kong e Taipé. Os chineses locais são muito mais práticos, mais orientados para os negócios, mais materialistas, e mais abertos às influências estrangeiras. É verdade que aquando da abertura de Shanghai, o governo injectou bastantes capitais para o seu desenvolvimento. Promoveu o investimento estrangeiro, até um ponto em que este afluía por si mesmo. Mas não provocou o comportamento dos chineses locais; por exemplo, Guangzhou desenvolveu-se antes, está muito mais próxima de Hong Kong e no entanto parece mais local.
É, portanto, uma característica actual de Shanghai... Actual? Num dos livros de Lin Yutang (o meu herói a descrever o povo chinês), escrito mais de 50 anos antes, apresenta uma descrição semelhante sobre Shanghai. Exactamente a mesma orientação para os negócios, o mesmo cosmopolitismo, a mesma abertura para as coisas estrangeiras!
Por outro lado, surge o mesmo contraste em relação a Pequim, de caraterística mais chinesa, mais relaxada, mais institucional, mais virada para o seu umbigo.
Mais curioso ainda, é a relação entre os expatriados nas duas cidades: já ouvi muitos estrangeiros em Pequim queixarem-se que os estrangeiros de Shanghai são muito mais materialistas, mais interessados em saber o que fazemos do que saber quem somos.
Para além disso, numa análise regional ainda mais profunda, se tal se pretender, podem notar-se diferenças de pronunciação (principalmente nos dialectos), atitudes, comidas, cultura, etc. Tais diferenças são detectadas pelos chineses, e têm explicações gerais para estas diferenças. Mas isso fica para outro dia...
segunda-feira, 23 de março de 2009
'China Transformed'
WONG, R. Bin, China Transformed. Historical Change and the Limits of European Experience. Cornell University Press, Ithaca and London: 2000, 1ª ed., 327 pág., versão inglesa
Antes de começar a minha recensão, devo dizer que o livro é brilhante. Antes de o ler, estava convencido que iria encontrar um livro sobre os limites da experiência europeia na modernização da China nos fins do século dezanove e inícios do século vinte, isto é, de como a influência - e, confessemos, intervenção - europeia teve uma repercussão mais limitada do que o que normalmente é difundido no atraso da modernização chinesa.
No entanto, a mudança histórica e os limites da experiência europeia referem-se aos modelos de análise utilizados ainda hoje herdados de um mundo novecentista cujo centro era a Europa. Durante esse tempo, o modelo capitalista europeu era o modelo supremo de progresso e desenvolvimento industrial imposto ao resto do mundo. Como a China não se enquadrava nesse modelo, e não seguiu esse modelo de desnvolvimento, era - e é - apelidada de subdensenvolvida. O modelo dialéctico marxista posteriormente adoptado após 1949, apesar de tentar dar uma nova interpretação e modelo para o desenvolvimento industrial e económico, peca igualmente por se basear num modelo europeu cuja base de desenvolvimento capitalista - mas agora negativo - ainda se mantém.
Por conseguinte, a primeira prioridade de Bin Wong neste livro é o de clarificar os conceitos, primeiro de mercantilismo vs. capiltalismo (sendo este último a acumulação de capital numa vertente por vezes monopolista) e de seguida o desenvolvimento do modelo de estado. A partir daí, começa a apontar as diferenças entre o modelo de desenvolvimento estadual e económico da Europa e da China, passando de um ponto de vista mais geral para de seguida descrever alguns dos aspectos que definem o estado de acordo com o modelo europeu, nomeadamente os impostos e as revoluções.
Com base nesta comparação, concluimos juntamente com o autor que o desenvolvimento estadual na China foi bastante mais precoce do que na Europa: tanto a recolha de impostos, como o sistema organizativo e burocrático, como a recolha de dados populacionais, como mesmo um sistema de segurança social, existiam na China séculos antes da Europa pensar neles. No entanto, as bases com que tais sistemas se desenvolveram diferenciam-se, tanto como as necessidades para desenvolver tais sistemas. Enquanto que na Europa a recolha de impostos (de acordo com o autor, um primeiro sinal de organização e centralização do estado na perspectiva europeia) se devia principalmente para a defesa contra a guerra, no caso da China tal resultava de um sistema de compensações e equilíbrios entre províncias.
Por outro lado, se bem que não demasiado desenvolvida, apresenta a relação entre o confucionismo e os comerciantes. Muitos autores revelam que o confucionismo se opõe aos comerciantes e atira-os para a base da escala social. Neste estudo, o autor apresenta uma perspectiva mais limitada mas mais lógica e aceitável: o confucionismo não só aceita os comerciantes mas também reconhece a sua necessidade. No entanto, condena a procura do lucro fácil e excessivo, e por isso tenta uma limitação dos preços. Esta é uma outra diferença - fundamental - entre a Europa e a China - enquanto que na última o governo tenta aumentar a concorrência e limitar os monopólios para evitar acumulação excessiva de capital nas mãos de poucos (que poderia provocar igualmente instabilidade social), os governos europeus favoreciam monopólios para maximizar recolha de impostos.
A situação alterou-se com as intervenções europeias no século dezanove. Contrariamente a alguns estudos (marxistas) em que se culpa o sistema de compradores para o atraso da China, o autor aponta as indemnizações de guerra que a China era obrigada a pagar para o desiquilíbrio do orçamento público. Com estas indemnizações, a China quebrou o euilíbrio social que tinha ao ser obrigada a exigir mais impostos. Neste sentido, por um lado exercia mais pressão sobre a população em geral, e por outro era obrigada a adoptar políticas de estirpe europeu - isto é, acumulação de capital nas mãos de poucos para maximizar recolha de impostos. Com a pressão sobre a população e a falta de compensações sociais - causada pela ruptura do sistema de granarias públicas para manter os preços baixos em anos de más colheitas - provocou distúrbios sociais e eventualmente a queda da China imperial. Posteriormente, o contraste entre a adopção de medidas económicas europeias num estado onde faltava a união e estrutura burocrática eficiente provocou a queda desse mesmo sistema.
Neste sentido, em conclusão, condena-se uma perspectiva puramente ocidental na análise histórica: caso se consiga abstrair dessa perspectiva puramente europeia e adoptar uma perspectiva chinesa (não marxista), a posição do desenvolvimento da China é muito diferente. Mesmo utilizando a mesma perspectiva e reavaliando os factos, essa posição ainda é diferente. Isto é, herdando as opiniões de europeus do século dezanove, os académicos centraram-se no que faltava à China negligenciando o que tinha. Este livro apresenta, portanto, uma reavaliação histórica extraordinária!
Antes de começar a minha recensão, devo dizer que o livro é brilhante. Antes de o ler, estava convencido que iria encontrar um livro sobre os limites da experiência europeia na modernização da China nos fins do século dezanove e inícios do século vinte, isto é, de como a influência - e, confessemos, intervenção - europeia teve uma repercussão mais limitada do que o que normalmente é difundido no atraso da modernização chinesa.
No entanto, a mudança histórica e os limites da experiência europeia referem-se aos modelos de análise utilizados ainda hoje herdados de um mundo novecentista cujo centro era a Europa. Durante esse tempo, o modelo capitalista europeu era o modelo supremo de progresso e desenvolvimento industrial imposto ao resto do mundo. Como a China não se enquadrava nesse modelo, e não seguiu esse modelo de desnvolvimento, era - e é - apelidada de subdensenvolvida. O modelo dialéctico marxista posteriormente adoptado após 1949, apesar de tentar dar uma nova interpretação e modelo para o desenvolvimento industrial e económico, peca igualmente por se basear num modelo europeu cuja base de desenvolvimento capitalista - mas agora negativo - ainda se mantém.
Por conseguinte, a primeira prioridade de Bin Wong neste livro é o de clarificar os conceitos, primeiro de mercantilismo vs. capiltalismo (sendo este último a acumulação de capital numa vertente por vezes monopolista) e de seguida o desenvolvimento do modelo de estado. A partir daí, começa a apontar as diferenças entre o modelo de desenvolvimento estadual e económico da Europa e da China, passando de um ponto de vista mais geral para de seguida descrever alguns dos aspectos que definem o estado de acordo com o modelo europeu, nomeadamente os impostos e as revoluções.
Com base nesta comparação, concluimos juntamente com o autor que o desenvolvimento estadual na China foi bastante mais precoce do que na Europa: tanto a recolha de impostos, como o sistema organizativo e burocrático, como a recolha de dados populacionais, como mesmo um sistema de segurança social, existiam na China séculos antes da Europa pensar neles. No entanto, as bases com que tais sistemas se desenvolveram diferenciam-se, tanto como as necessidades para desenvolver tais sistemas. Enquanto que na Europa a recolha de impostos (de acordo com o autor, um primeiro sinal de organização e centralização do estado na perspectiva europeia) se devia principalmente para a defesa contra a guerra, no caso da China tal resultava de um sistema de compensações e equilíbrios entre províncias.
Por outro lado, se bem que não demasiado desenvolvida, apresenta a relação entre o confucionismo e os comerciantes. Muitos autores revelam que o confucionismo se opõe aos comerciantes e atira-os para a base da escala social. Neste estudo, o autor apresenta uma perspectiva mais limitada mas mais lógica e aceitável: o confucionismo não só aceita os comerciantes mas também reconhece a sua necessidade. No entanto, condena a procura do lucro fácil e excessivo, e por isso tenta uma limitação dos preços. Esta é uma outra diferença - fundamental - entre a Europa e a China - enquanto que na última o governo tenta aumentar a concorrência e limitar os monopólios para evitar acumulação excessiva de capital nas mãos de poucos (que poderia provocar igualmente instabilidade social), os governos europeus favoreciam monopólios para maximizar recolha de impostos.
A situação alterou-se com as intervenções europeias no século dezanove. Contrariamente a alguns estudos (marxistas) em que se culpa o sistema de compradores para o atraso da China, o autor aponta as indemnizações de guerra que a China era obrigada a pagar para o desiquilíbrio do orçamento público. Com estas indemnizações, a China quebrou o euilíbrio social que tinha ao ser obrigada a exigir mais impostos. Neste sentido, por um lado exercia mais pressão sobre a população em geral, e por outro era obrigada a adoptar políticas de estirpe europeu - isto é, acumulação de capital nas mãos de poucos para maximizar recolha de impostos. Com a pressão sobre a população e a falta de compensações sociais - causada pela ruptura do sistema de granarias públicas para manter os preços baixos em anos de más colheitas - provocou distúrbios sociais e eventualmente a queda da China imperial. Posteriormente, o contraste entre a adopção de medidas económicas europeias num estado onde faltava a união e estrutura burocrática eficiente provocou a queda desse mesmo sistema.
Neste sentido, em conclusão, condena-se uma perspectiva puramente ocidental na análise histórica: caso se consiga abstrair dessa perspectiva puramente europeia e adoptar uma perspectiva chinesa (não marxista), a posição do desenvolvimento da China é muito diferente. Mesmo utilizando a mesma perspectiva e reavaliando os factos, essa posição ainda é diferente. Isto é, herdando as opiniões de europeus do século dezanove, os académicos centraram-se no que faltava à China negligenciando o que tinha. Este livro apresenta, portanto, uma reavaliação histórica extraordinária!
A arte de viver na China
Viver na China ou em qualquer outro lado. Na nossa casa ou fora dela. Do lado em que o sol se põe no mar ou no lado em que nasce de lá. É uma arte, um arte de aprendizagem, de compreensão e de adaptação. Por vezes mais fácil quando lá nascemos, outras vezes mais difícil, quando para lá já vamos crescidos.
Ultimamente – e para justificar a ausência prolongada deste blog – estive a preparar um evento (um seminário técnico) pela primeira vez. Andei exausto, a trabalhar 12 horas por dia e sete dias por semana. Tive de pôr de lado a minha vida social – algo que terá de continuar por mais algum tempo pelo follow up que terei de fazer agora – mas isso não interessa para este blog.
Na altura de preparar o seminário, tive de me apoiar no resto da equipa local – chineses – e existiram muitas interpretações diferentes. Iríamos ter um seminário de estilo europeu na China em que a audiência era chinesa e estrangeira. Originou diversos debates.
Com o seminário, contei com a presença de oradores europeus, um dos quais veio pela primeira vez à China. Tive a oportunidade de conversar prolongadamente com ele. Conversámos bastante sobre a China, e sobre a primeira impressão que ele teve. Gosto de o perguntar, lembra-me a minha primeira sensação, o choque, a descoberta, a incompreensão. Habituei-me a corrigir levemente essas interpretações, a maior parte das vezes são superficiais – pelo pouco tempo em que tantas impressões chovem – e a explicar os chineses com mais profundidade. Mas por vezes – como desta vez – sou eu que aprendo. Algumas pessoas têm o dom de se aperceberem do mundo que as rodeiam com alguma precisão, e de conseguirem resumir os pontos principais.
Lembro-me durante o mestrado de ouvir histórias de académicos sobre a China. Numa delas, dizia-se que quem vem à China por um mês pode escrever um livro; quem vive cá um ano pode escrever um artigo; quem vive dois anos, pode escrever um parágrafo; e quem estuda a China durante muito tempo não consegue escrever nada. Estou a sentir esse processo no sangue: durante o fim de semana alonguei-me sobre o conceito de mianzi, guanxi, a dialéctica China moderna com a sua história imperial, ética corporativa, etc. Mas os pontos essenciais de como descrever um povo disse-mos ele, não eu.
Pontos de vista, impressões, opinões dependem, portanto, não só de quem as faz – com o seu background académico, cultural, etc. – mas também de como as faz. Estar dentro da questão, fora dela, de uma perspectiva parcial ou imparcial, as conclusões podem ser interessantes. Para dar um exemplo, imaginemos a nossa casa: nós todos os dias acordamos nela e deitamo-nos nela; dispomos os móveis e decoração como queremos; adquirimos os objectos que gostamos. Para nós, tal disposição é normal, e quando muito justificamos o facto de colocarmos a televisão nesta posição e não naquela porque assim vê-se melhor quando nos deitamos no sofá. Mas para outras pessoas, que nunca viram a nossa casa e lá vão pela primeira vez, apercebem-se do carácter de quem lá vive. Eu vivo dentro da casa, e julgo bastante refrescante ouvir as opiniões de quem vive fora.
Por outro lado, há outros que conseguem manter ambas as perspectivas, e espero um dia também o conseguir. Até agora, o melhor exemplo que encontrei é o de Lin Yutang, chinês da primeira metade do século vinte, filho de um missionário chinês com educação europeia e que viveu bastantes anos nos Estados Unidos. O modo de descrição do povo chinês feito por ele, na minha opinião, é bastante profundo e consegue passar dos pormenores para a ‘big picture’.
Este texto é apenas um lembrete pessoal, e quem para quem está interessado em aprender sobre a China. A conversa deste fim de semana vai deixou-me bastantes questões interessantes para as próximas semanas...
Ultimamente – e para justificar a ausência prolongada deste blog – estive a preparar um evento (um seminário técnico) pela primeira vez. Andei exausto, a trabalhar 12 horas por dia e sete dias por semana. Tive de pôr de lado a minha vida social – algo que terá de continuar por mais algum tempo pelo follow up que terei de fazer agora – mas isso não interessa para este blog.
Na altura de preparar o seminário, tive de me apoiar no resto da equipa local – chineses – e existiram muitas interpretações diferentes. Iríamos ter um seminário de estilo europeu na China em que a audiência era chinesa e estrangeira. Originou diversos debates.
Com o seminário, contei com a presença de oradores europeus, um dos quais veio pela primeira vez à China. Tive a oportunidade de conversar prolongadamente com ele. Conversámos bastante sobre a China, e sobre a primeira impressão que ele teve. Gosto de o perguntar, lembra-me a minha primeira sensação, o choque, a descoberta, a incompreensão. Habituei-me a corrigir levemente essas interpretações, a maior parte das vezes são superficiais – pelo pouco tempo em que tantas impressões chovem – e a explicar os chineses com mais profundidade. Mas por vezes – como desta vez – sou eu que aprendo. Algumas pessoas têm o dom de se aperceberem do mundo que as rodeiam com alguma precisão, e de conseguirem resumir os pontos principais.
Lembro-me durante o mestrado de ouvir histórias de académicos sobre a China. Numa delas, dizia-se que quem vem à China por um mês pode escrever um livro; quem vive cá um ano pode escrever um artigo; quem vive dois anos, pode escrever um parágrafo; e quem estuda a China durante muito tempo não consegue escrever nada. Estou a sentir esse processo no sangue: durante o fim de semana alonguei-me sobre o conceito de mianzi, guanxi, a dialéctica China moderna com a sua história imperial, ética corporativa, etc. Mas os pontos essenciais de como descrever um povo disse-mos ele, não eu.
Pontos de vista, impressões, opinões dependem, portanto, não só de quem as faz – com o seu background académico, cultural, etc. – mas também de como as faz. Estar dentro da questão, fora dela, de uma perspectiva parcial ou imparcial, as conclusões podem ser interessantes. Para dar um exemplo, imaginemos a nossa casa: nós todos os dias acordamos nela e deitamo-nos nela; dispomos os móveis e decoração como queremos; adquirimos os objectos que gostamos. Para nós, tal disposição é normal, e quando muito justificamos o facto de colocarmos a televisão nesta posição e não naquela porque assim vê-se melhor quando nos deitamos no sofá. Mas para outras pessoas, que nunca viram a nossa casa e lá vão pela primeira vez, apercebem-se do carácter de quem lá vive. Eu vivo dentro da casa, e julgo bastante refrescante ouvir as opiniões de quem vive fora.
Por outro lado, há outros que conseguem manter ambas as perspectivas, e espero um dia também o conseguir. Até agora, o melhor exemplo que encontrei é o de Lin Yutang, chinês da primeira metade do século vinte, filho de um missionário chinês com educação europeia e que viveu bastantes anos nos Estados Unidos. O modo de descrição do povo chinês feito por ele, na minha opinião, é bastante profundo e consegue passar dos pormenores para a ‘big picture’.
Este texto é apenas um lembrete pessoal, e quem para quem está interessado em aprender sobre a China. A conversa deste fim de semana vai deixou-me bastantes questões interessantes para as próximas semanas...
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