Tenho feito uma longa pausa em relação a este blog, principalmente devido ao facto de que as minhas peripécias pessoais nestes três anos me deixaram sem qualquer inspiração para encontrar pontos de interesse para expor aqui. Por outro lado, o facto de já estar pela China há dez anos e meio (o recente Ano do Dragão celebtrou um ciclo de doze anos em que já estudo a China), fez aperceber-me que o que antes era peculiar e extraordinário aos olhos de um europeu, tornou-se algo banal e comum para mim. Apenas consigo compreender que tais assuntos não são tão comuns quando alguns amigos me vêm procurar com algumas dúvidas e ainda ficam mais abismados com a minha explicação. Por exemplo, quando há uns meses um amigo me fez mostrar as dificuldades em compreender e fazer-se compreender pelas chinesas, aconselhei-o a ler a Arte da Guerra de Sun Zi. Ele leu a obra sem ter adquirido qualquer clarificação da dúvida em mãos, mas eu tenho utilizado as ideias de tal livro para lidar com tais situações e tem-se revelado bastante frutuosa.
Por isso recentemente tenho sido aconselhado a escrever um livro onde poderia condensar toda a minha experiência sobre a China, mas se bem que tenho de confessar que tal projecto já me pareceu bastante aliciante, tenho concluido que tal livro não iria acrescentar nada de novo à já longa lista de livros gerais escritos sobre a China, se me mantivesse fiel a ideias gerais sobre a China. Por outro lado, se tentasse algo mais profundo - provavelmente reunindo a contestação dos chineses por tentar compreender um povo tão complexo - teria de divagar entre as camadas culturais da China que remontam não a pouco mais de 50 anos atrás com a revolução comunista, mas a milénios de diversas influências e escolas. Confucionismo, taoismo, budismo, marxismo, outras escolas menores e mesmo outras influências estrangeiras em menor escala tais como cristianismo, democracia (ocidental), tudo ajuda a explicar o que é um chinês dos nossos dias. Em muitos aspectos, ao nível da mentalidade, o que os portugueses descreviam sobre a China há quinhentos anos atrás não é muito diferente de hoje. Tal como já li livros sobre a história portuguesa de há quinhentos anos atrás e, apesar da mudança de trajos, vocabulário e tecnologia, ao nível da mentalidade muitos pontos são semelhantes.
Por outro lado, a história recente da China nos últimos 150 anos fez com que cada geração tivesse expectativas diferentes da anterior, e um modo completamente diferente de ver o mundo. Cada geração passou por pelo menos um movimento marcante da história da China, e tal obviamente teve enormes consequências no 'mundo' que cada chinês estava habituado a viver. Por isso neste momento explicar a China torna-se uma das tarefas mais complexas que se possa imaginar: temos por um lado séculos de escolas filosóficas por vezes contraditórias e ao mesmo tempo complementares, por outro lado eventos marcantes que tentam cortar com o passado e criar um novo futuro, por outro a integração da China na comunidade mundial, e com o risco de se tornar uma superpotência. Tal processo obviamente não pode ser totalmente harmonioso, e por isso se apenas considerarmos a nova geração, encontramos indivíduos que compartilham com as tradições milenares da China, outros que se identificam mais com o ocidente, outros que tentam harmonizar ambos os mundos. Se adicionarmos as restantes gerações, temos grandes disparidades geracionais, especialmente porque tradicionalmente se deve respeito às gerações mais velhas e quando se encontram as três gerações, há uma disparidade cada vez maior ao lado do respeito tradicional que é devido.
Mesmo a teorética para explicar a China se torna um desafio, pois o modo de pensar de um chinês é bastante diferente de um ocidental, e por conseguinte explicar a mentalidade chinesa com base na nossa própria cultura conclui-se por meras descrições em vez da compreensão, tal como aliás acontece no caso oposto. Por exemplo, ao frequente debate sobre as constantes violações dos direitos humanos por parte da China, a China contrapõe que tem parâmetros diferentes: enquanto que no ocidente o indivíduo é o elemento fulcral dos direitos, e por conseguinte deve ser protegido em relação à comunidade (já um professor dizia que a democracia é o regime das minorias, já que tende a proteger as indiossincracias das minorias em relação aos grupos dominantes), na China a comunidade (com base na ideia confucionista da transplantação do respeito pela família e pelos pais para o respeito pelo estado - sendo o estado o pai da nação) é o elemento fulcral, e a vontade do indivíduo deve ser sacrificada em relação à vontade da comunidade.
Dados todos estes pontos, já teria escrito um livro sobre o que aprendi sobre a China, mas tal livro seria composto de apenas páginas em branco, porque dada tal complexidade seria difícil encontrar um princípio, um meio e uma conclusão.
P.S. - Este artigo NÃO foi escrito de acordo com o acordo ortográfico em vigor.
domingo, 29 de janeiro de 2012
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